sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

O momento da alta

         O findar da terapia geralmente representa uma conclusão de metas estabelecidas. O cliente ao longo do processo terapêutico construiu mudanças significativas, aprendeu a lidar melhor com situações antes temidas e, por conta disso, um sentimento de bem-estar inunda seu ser. Torna-se assim natural e ao mesmo tempo temido também o desejo por experimentar suas novas habilidades fora do “setting” terapêutico.
 Quem define o momento da alta? E sob qual critério? Isso nos remete aos modelos de terapia. Temos o modelo médico no qual o profissional define o melhor momento para conceder à alta e o modelo psicológico que acredita na capacidade do próprio cliente para definir quando interromper sua terapia. Na primeira situação, o cliente poderá se sentir abandonado ou rejeitado pelo terapeuta. Por outro lado, um sentimento de alívio pode acometê-lo, uma vez que a responsabilidade pela interrupção parte do profissional. Já no segundo caso, é o cliente quem define o momento da interrupção - a responsabilidade agora está nas mãos do cliente. Ele decide quando interromper seu tratamento. Decisão que, no entanto, não o livra da dúvida ou da incerteza, senão para o risco, pois, estará sozinho enfrentando seus problemas.
A terapia vivencial – psicologia existencial baseada na filosofia de Jean-Paul Sartre – estabelece o cliente como à pessoa mais qualificada para decidir o momento da alta. Erthal versa a respeito: “Na terapia vivencial, a alta é dada pelo próprio cliente que é considerado a pessoa mais adequada para se avaliar, atingindo o crescimento” (ERTHAL, p.147, 2004). Se nessa abordagem existencial enfatizamos a autonomia e a responsabilidade do cliente, estaríamos nos contradizendo se determinássemos o momento da interrupção do tratamento. Cabe assim ao cliente escolher o momento para interrompê-la.
Mas o cliente não pode equivocar-se levantando prematuramente o término do tratamento? Claro que pode! Daí a importância duma discussão franca com o terapeuta para auxiliá-lo na sua decisão. Visto que, existe uma diferença entre o cliente que levanta o assunto da alta para o cliente que já definiu o momento de parar. A questão é que alguns términos tornam-se prematuros. Comumente, clientes alegam não ter mais nada para falar ou não percebem a ligação do trabalho realizado com os problemas vivenciados. Alguns indícios servem para sinalizar um desejo para interromper o tratamento: atrasos e faltas constantes, baixa produção, etc. Entretanto, tais comportamentos podem representar uma forma do cliente chamar a atenção do terapeuta. O cliente pode sentir-se pouco apoiado, triste com suas descobertas, ou mesmo tentando evitar entrar em contato com a sua ansiedade. Até mesmo a situação financeira pode ser usada como desculpa para evitar falar sobre seu descontentamento com a terapia.
Como mencionamos anteriormente, é de suma importância uma discussão no sentido de esclarecimento para o cliente acerca da sua decisão, pois, talvez, haja alguns aspectos nebulosos que necessitem de uma melhor compreensão. Alcançar tal compreensão pode dissipar dúvidas e fortalecer sua decisão. No entanto, alguns clientes, por exemplo, ficam na dúvida em interromper seu tratamento pelo medo de perder o contato com o terapeuta. Relutam interromper a terapia, pois, desta maneira, ainda conseguem manter o vínculo. Outros levantam a questão da alta precipitadamente por repetição de comportamentos anteriores – abandonaram atividades anteriores por medo do fracasso, ou por causa da ideia de que não conseguirão alcançar seus objetivos. E também clientes que podem passar por dificuldades financeiras – questão comum nos dias de hoje – a ponto de ameaçar a continuidade do tratamento. Em todos os exemplos citados, é importante que o terapeuta, com sensibilidade, possa junto com o cliente chegar numa melhor compreensão para ajudá-lo na sua decisão. Deixar o cliente bem à vontade no sentido dele desejar manter contato com o terapeuta mesmo após a alta e que ficaria feliz por acompanhar seu desenvolvimento (Lembrando que caso ele precise retornar à terapia não se trata de retrocesso, mas um recomeço); levar o cliente à percepção do comportamento sabotador, e que a interrupção da terapia seria mais uma fuga de si mesmo, e que a questão financeira pode ser revista junto com o cliente – posição particular de cada terapeuta – para não atrapalhar no seu desenvolvimento. Em todo caso, sempre o cliente escolhe o momento da alta. Cabe ao terapeuta, respeitar e acolher sua decisão. Atitudes estas que reafirmam à máxima do existencialismo sartreano, qual seja, a LIBERDADE.       


Referência Bibliográfica:

ERTHAL, Tereza Cristina Saldanha. Treinamento em Psicoterapia Vivencial; Livro Pleno, São Paulo, 2004.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Culpa existencial

            Se “o ser humano está condenado à liberdade” como proclamado pelo filósofo francês Jean-Paul Sartre (1943), então ele está totalmente livre para criar e estabelecer o seu próprio projeto (ver texto: Auto-imagem ou projeto original). Este, construído através de escolhas que são oriundas da consciência reflexiva. Consciência esta que pode avaliar e criar um critério de valores, uma vez que cada pessoa escolhe o que é mais importante para si mesma. Entretanto, cada escolha realizada não tem qualquer garantia de sucesso, pois não há como saber o resultado. Este é o grande risco existencial – arriscar-se a cada instante; vivenciar a incerteza na busca por uma “certeza”. A angústia nesse momento torna-se eminente e a pessoa pode escolher não querer escolher (o que não deixa de ser uma escolha). Mas qual seria o intuito dessa pessoa adotando tal postura?
A pessoa quando escolhe não querer escolher, estaria abrindo mão da sua liberdade e, ao mesmo tempo, tentando evitar sentir a angústia. Afinal de contas, liberdade é ação – característica de toda escolha – e, também, abertura diante do nada, que é geradora de angústia. Sendo assim, a pessoa busca minimizar o contato com os fatos para evitar a responsabilidade da escolha e, por conseguinte, o sentimento de angústia. E Erthal comenta a respeito: “[...] A forma de reduzir a ansiedade resultante é diminuindo suas opções, ou seja, evitando significativamente sua interação com os acontecimentos. Na luta contra o que pode vir a destruir o seu ser, o indivíduo acaba deixando de ser completamente [...]” (ERTHAL, p.51, 1989). Tenta-se de todo modo fugir de si mesmo, como se a pessoa quisesse se transformar em um objeto. Porém, tal estratégia acaba conduzindo-a para um abissal sentimento de culpa e fracasso. Tem-se a falsa ideia de que a pessoa nasceu pronta e determinada, como se de fato ela fosse um objeto. Dessa forma, ela deixa de perceber o como tem usado sua liberdade – diminuição das opções, proteção do seu ser e fuga. Suas escolhas em vez de potencializar suas possibilidades existenciais, acabam limitando sua liberdade. Também podemos atestar tal tentativa de limitação quando a pessoa atribui ao destino, a Deus ou ao acaso os resultados não alcançados. Dir-se-á então que ela se tornou o próprio algoz da sua existência, ao mesmo tempo em que desconhece sua responsabilidade existencial.
            A culpa existencial decorre do arrependimento, da lamúria, das possibilidades negadas pela própria pessoa. Feijoo versa acerca: “A culpa existencial – A pre-sença mostra no seu discurso a culpa existencial de várias maneiras. Aparece, por exemplo, como lamentação das possibilidades que não foram escolhidas, [...]. A queixa fica em torno daquilo do qual outrora se abriu mão” (FEIJOO, p.121, 2000). Temos exemplos como: “Ah! Poderia ter feito isso...” ou “Se pudesse, eu voltava no tempo...”, são discursos em que a pessoa acaba ficando enraizada num passado, deixando, assim, de perceber o momento presente e muito menos vislumbrar a possibilidade dum futuro. Presa ao passado, não consegue perceber-se no aqui-e-agora, repetindo assim o mesmo comportamento vivido anteriormente.
            A perspectiva existencial visa à liberdade e à responsabilidade da pessoa. Ficar presa ao passado pode ser uma maneira de fugir do presente – negação da liberdade -, que pode ser uma maneira de evitar entrar em contato com a própria liberdade. Lembrando que a ação é uma condição sine qua non da liberdade. Liberdade que está atrelada à responsabilidade, pois apenas a própria pessoa quem pode realizar suas escolhas e mais ninguém. Daí não haver álibis ou destino em cada escolha efetuada. O que existe é apenas: “EU escolho...” e não o “Todo mundo escolhe... ou “o destino fez essa escolha por mim”. Por conta disso, o existencialismo é visto de maneira equivocada como uma postura filosófica negativa, uma vez que a pessoa é a única responsável pela sua existência. Isso remete à ideia de solidão e abandono, que na realidade é uma quimera, pois estamos com outrem e somos reconhecidos a partir da relação com eles. No entanto, cada escolha é pessoal, particular. Assim, nada mais otimista que filosofia existencial, pois ela coloca nas mãos de quem é de direito a responsabilidade pela construção da própria existência.

Referências Bibliográficas:

ERTHAL, Tereza Cristina Saldanha. Terapia vivencial: uma abordagem existencial em psicoterapia – Petrópolis, RJ: Vozes, 1989.
FEIJOO, Ana Maria Lopez Calvo de. A escuta e a fala em psicoterapia: uma proposta fenomenológico-existencial – São Paulo: Vetor, 2000.
SARTRE, Jean-Paul. O ser e o nada – Ensaio de ontologia fenomenológica; tradução de Paulo Perdigão. – Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Temor da morte ou fuga da vida?

         A morte é inexorável para todo ser humano, não há como escaparmos a ela. No entanto, algumas pessoas “sabendo” de tal sina, buscam por sua imortalidade. A constituição de uma família, por intermédio dos filhos; a ideia de vida após a morte e a publicação de livros são alguns exemplos para sentirmos uma continuidade. Ao mesmo tempo em que tais atitudes demonstram uma inabilidade de reconhecermos que, de fato, nossa existência tem um limite.
            A presença da morte pode ser vista como ameaça à existência, daí muitas vezes o ser humano não desejar falar sobre ela. Tem-se apenas a vontade de evitá-la. Entretanto, a morte se faz presente mesmo que não consigamos percebê-la claramente. Quando concluímos uma meta estabelecida, por exemplo, ela de certa maneira deixou de existir, findou, ou mesmo quando voltamos para casa depois de um dia de trabalho, este também foi finalizado, concluído, e nem por isso deixamos de existir.
            Podemos ainda atestar a presença da morte quando uma pessoa próxima a nós parte. Deixamos de ter o contato com essa pessoa e, ao mesmo tempo, reconhecemos que um dia nosso fim chegará, ou seja, se acontece com o outro, poderá ocorrer comigo. A solidão e um fim que se anuncia para a pessoa são o grande temor e tremor.
            Será a morte somente uma extinção biológica? Na qual nossas funções vitais deixam de funcionar: nutrição, regulação, atividade etc. Como se fôssemos um objeto que foi extinto? Sem dúvida que o corpo delimita nosso ser no mundo, nossa presença em relação a outrem. Assim como também recebemos diversos estímulos do meio, o que favorece uma relação particular com o próprio mundo – interno e externo. Entretanto, tal relação pode ser ameaçada quando a pessoa escolhe morrer psicologicamente. Como se fosse uma forma de suicídio psicológico, só que em vida.
            A “morte psicológica” (Erthal) caracteriza que a morte não se trata de um fato exclusivamente biológico. Na realidade, ela denuncia o término de uma vida considerada saudável sem que tenha o fim da existência física, corpórea. A pessoa escolhe não mais existir – criar uma identidade e autonomia – para aguardar a morte como “solução” para sua problemática. O que acaba sendo uma contradição pelo temor da própria morte. Erthal de forma sabia propõe uma definição para tal morte: “Na morte psíquica, o outro passa a ser o guardião: ser esquecido é tornar-se objeto da atitude de um outro[...]. Enfim, a morte psicológica não deixa de ser o caminho para o fim da existência do sujeito, já que abandona todos os seus projetos de vida em prol de uma forma vegetativa de existir”(ERTHAL, p.145,1989). Nega-se então à existência na tentativa de evitar a angústia da própria vida, uma vez que inevitavelmente temos que passar por perdas (mortes) durante a vida.
            É a filosofia existencial que traz uma nova forma de se relacionar com a morte. Condição que faz parte da existência humana, não no sentido de uma espera pela mesma, mas reconhecendo que temos um limite e que precisamos valorizar cada momento da vida. A conscientização da morte faz com que a pessoa reflita em relação à sua qualidade de vida e não na quantidade que supostamente ainda tem. Até por que não existe apenas a morte por velhice. Se assim fosse, teríamos como prever quando morreríamos, o que também não impediria nossa sina. Na realidade a morte para o existencialismo, de maneira geral, é que dá o significado à própria vida. Como o filósofo alemão Nietzsche – considerado existencialista por muitos - dizia próximo dessas palavras, que devemos dizer sim a cada instante da vida.
            A psicologia existencial, ao acompanhar clientes com questões relacionadas à morte, tem uma meta básica: auxiliá-los a refletir suas qualidades de vida. Como o cliente vivencia suas angústias e seus objetos de medo, que na realidade representam uma espécie de morte, uma vez que toda morte representa uma mudança ou transformação e que, talvez, o cliente procure evitar. Conhecer-se a si mesmo, é assumir seu medo de maneira responsável e que possíveis perdas fazem parte da sua existência, o que não quer dizer evitá-las, mas saber que elas existem para serem vivenciadas e superadas. O trabalho junto ao cliente no aqui-e-agora facilita na compreensão do lidar com a morte e, ao mesmo tempo, faz com que ele tenha maior conscientização da maneira como está vivendo. Alcançando tal compreensão, acreditamos que ele possa conviver com a morte como fazendo parte da sua existência. Reintegrando-a vida, a morte deixa de ser uma fuga da própria existência, passando a ser parte de uma vida mais plena.

Referência Bibliográfica:

ERTHAL, Tereza Cristina Saldanha. Terapia vivencial: uma abordagem existencial em psicoterapia – Petrópolis, RJ: Vozes, 1989.

terça-feira, 11 de setembro de 2012


Consciência e transcendência do ego


            O ser humano é ontologicamente um ser de relação. Relação consigo mesmo ou com mundo no qual ele vive. Esta relação tem como característica a transcendência, uma vez que a existência não está pronta. Ele, ser humano, precisa a cada momento construir-se, e nesta construção somente ele pode fazê-lo.
            A consciência é proposta como um vazio que segue em direção ao seu objeto de maneira intencional, com o intuito de preenchimento. Tal atitude estabelece à relação primordial da consciência com o mundo. Visto que, não há consciência sem um mundo para ser intencionado, assim como também o mundo só pode ser desvelado por uma consciência – princípio da intencionalidade de Husserl. Portanto, a consciência é um ato de captação do objeto que pode acontecer por: percepção, imaginação, emoção, etc. O que configura a consciência como consciência do mundo. Sartre, citado por Erthal comenta a respeito: “O ego não está formalmente nem materialmente na consciência. Está no mundo – é um ser-do-mundo, como o Ego do outro. [...] É a consciência que torna possível a unidade e personalidade do meu eu. [...] A existência da consciência é um absoluto, porque a consciência é consciência de si mesma. [...] O objeto está frente a ela com sua opacidade característica, mas ela, ela é pura e simplesmente consciente de ser consciente desse objeto, tal a lei de sua existência. Mas esta consciência de consciência não é posicional, isto é, que a consciência não é ela mesma sem objeto. Seu objeto está por natureza fora dela. Não se conhece a si mesmo senão como interioridade absoluta – é a consciência irreflexiva. Não tem lugar para um eu nessa consciência” (ERTHAL, p.36, 1989). Temos então a consciência irreflexiva, consciência de primeiro grau, que se esgota na captação do objeto e a consciência reflexiva ou consciência de segundo grau, que é a consciência de ser consciente de algo.
            A consciência irreflexiva é perceptiva, pois a consciência visa um objeto ou uma ação, excluindo-se a si mesmo. Ela e o objeto de que é consciência tornam-se uma unidade, isto é, existe uma identificação com o objeto sem que ela se perca como objeto. Tal identificação não necessita do conteúdo psíquico do eu, uma vez que o psíquico somente pode ser captado por uma ação reflexiva.
            A consciência de segundo grau ou reflexiva é a consciência de ser consciente de algo. O Eu, neste caso, é consciente do seu objeto de consciência. Daí chamá-la de consciência reflexiva, pois ela reúne condições para avaliar, emitir julgamento sobre alguma atuação. Como podemos atestar nas palavras de Sartre: “[...] no ato de reflexão emito juízos sobre a consciência refletida, envergonho-me ou orgulho-me dela, aceito-a ou a recuso, etc. A consciência imediata de perceber não me permite julgar, querer, envergonhar-me. Ela não conhece minha percepção, não a posiciona: tudo que há de intenção na minha consciência atual acha-se voltado para fora, para o mundo” (SARTRE, p.24, 2001)
            É importante esclarecermos que o ato irreflexivo tem supremacia em relação ao reflexivo. Toda consciência primeiramente é consciência irreflexiva – a consciência sempre existirá mesmo que não haja reflexão; a consciência irreflexiva é independente dum ato reflexivo. O Eu apenas aparece relacionado a um objeto de uma intenção irreflexiva, bem como de um ato reflexivo.
            A terapia existencial tem como proposta a ampliação da autoconsciência para aumentar a possibilidade de escolha. Quanto mais o indivíduo tiver consciência de ser consciente da própria existência, ele passa a se responsabilizar mais por suas escolhas; assume a liberdade que decerto ele é; reconhece que a existência é um contínuo movimento de construção e reconstrução; que ela, existência, tem um tempo indeterminado para ser vivenciado e que o indivíduo precisa correr os riscos de vivê-la. À medida que ele se torna mais autoconsciente poderá viver mais integrado consigo mesmo; percebe seus limites sem deixar de buscar um melhor aprimoramento dentro de possibilidades reais. O Eu, assim, deixa de ser um atributo ou objeto e passa a ser um processo, um agente transformador da própria existência. Esse é o princípio da transcendência do ego do qual nos referimos.


Referências bibliográficas:

ERTHAL, Tereza Cristina Saldanha. Terapia vivencial: uma abordagem existencial em psicoterapia – Petrópolis, RJ: Vozes, 1989.

SARTRE, Jean-Paul. O ser e o nada – Ensaio de ontologia fenomenológica; tradução de Paulo Perdigão – Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.


        

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

O sonho na visão existencial

            Os sonhos sempre despertaram grande interesse humano. Por que sonhamos? E qual seria sua função? São perguntas que suscitaram estudos de psicólogos, psicanalistas e também dos psicofisiólogos. Freud, o pai da psicanálise, por exemplo, diz que o sonho é a porta de entrada para o inconsciente. Na área da fisiologia, pesquisas revelaram que todos sonham, porém não são todos que conseguem se recordar dos mesmos; que os adultos sonham em média de 5 a 7 séries oníricas, ou seja, a cada 90 minutos um sonho; pessoas idosas não sonham tanto e pessoas que não conseguem se lembrar de seus sonhos são pessoas mais controladas, defensivas frente às situações consideradas por elas como problemáticas. Sonhar então parece ser primordial para o funcionamento do nosso organismo.
            E qual é a importância do sonho na abordagem existencial? Diferentemente da proposta freudiana que considera o sonho como possibilidade para desvelar forças inconscientes que dominam a pessoa, o existencialismo vê como um correlato do mundo desperto do próprio sonhador, uma vez que o sonho e a vida desperta fazem parte da mesma pessoa. Durante o sono as funções vitais permanecem e o sonho se torna uma espécie de continuidade dessa vida desperta num outro mundo, o mundo imaginário. Erthal comenta: “O estar-no-mundo caracteriza a relação da consciência que sonha, pois trata-se de um mundo imaginário no qual a consciência não pode perceber; não se sai da atitude imageante enquanto se sonha. Todo sonho é imagem; é um produto da consciência” (Erthal, p.127, 1989). O sonho desta feita pode trazer uma mensagem existencial para o próprio sonhador, o como ele está e sua posição no mundo.
            O sonho para o existencialismo é a trajetória para uma integração. Integração no sentido de que ele contém partes da nossa personalidade. Consideramos que existe um paralelo, um princípio isomórfico de identidade – conceito oriundo da matemática -, entre o sonho e o sonhador. Os diversos elementos oníricos podem fornecer uma gama de explicações ao que ocorre no aqui-e-agora em seu mundo desperto, é por intermédio da consciência reflexiva que a pessoa pode alcançar tais explicações. Ao contrário de interpretar para o cliente o significado, mantemos o sonho como revelado pelo sonhador, cabendo a ele perceber o seu significado particular, próprio. Se o sonho traz possibilidades existenciais da pessoa, cabe ao terapeuta incentivar o cliente a refletir numa relação entre o sonhar e a vida desperta.
            Quando favorecemos ao cliente relatar seu sonho, ele tem a possibilidade de encontrar seu significado – enquanto desperto – do que foi vivenciado no sonho. O foco principal é o esclarecimento do real ser-no-mundo do sonhador que não existe durante o sonho. Inicialmente ele relata o sonho para depois descrever a reação diante dos fenômenos que lhe aparecem. Qual o sentimento presente? Qual a mensagem existencial está presente nesse estado anímico? Vejamos um pequeno exemplo fictício do trabalho com o sonho no existencialismo. Nosso intuito com tal apresentação é para melhor esclarecer ao leitor como este trabalho pode ser desenvolvido. Lembrando que, para alcançarmos um melhor resultado, é fundamental a participação do cliente. Vamos ao exemplo: Estava me olhando. Não parecia comigo, mas sabia que era eu mesma. Tinha que escolher entre dois caminhos para seguir. Entretanto, estava com medo. Um medo que me paralisava, não conseguia escolher de forma alguma. Um relógio aparece mostrando o tempo que me resta para escolher, como se fosse meu fim. Acordo assustada.
            Primeiramente podemos perguntar ao cliente como ele se sente agora relatando seu sonho (Talvez haja uma relação do sentimento de medo no sonho com seu mundo desperto. Nesse caso, o medo será trabalho com o cliente). Em seguida incentivamos que ele vivencie seu sonho no presente, em partes: ele mesmo, os dois caminhos, o medo, o relógio e o tempo (A escolha cabe ao cliente para verificar com qual personagem inicialmente mais se identifica). A vivência do cliente em cada aspecto do sonho poderá revelar seu ser-no-mundo desperto, como se ele estivesse representando um papel, um personagem do próprio sonho para tirar daí sua mensagem existencial. Pela percepção e compreensão do sonho no aqui-e-agora é que o cliente poderá alcançar sua integração. Esse se configura o princípio isomórfico de identidade com o qual realizamos nosso trabalho.

Referência Bibliográfica:

ERTHAL, Tereza Cristina Saldanha. Terapia vivencial: uma abordagem existencial em psicoterapia – Petrópolis, RJ: Vozes, 1989.

terça-feira, 3 de julho de 2012

O risco

         O ser humano muitas vezes busca ter garantias na vida - garantia de uma escolha correta; garantia de que será feliz ou mesmo ter a garantia de que não vai sofrer. São tentativas diante da ameaça da própria existência, uma vez que realizando escolhas, ele entra em contato com risco, com a incerteza do seu resultado. Incerteza esta que é geradora de angústia.
            A maneira com ele procura evitar sua angústia é diminuindo suas possibilidades de escolha, ou seja, deixando de interagir com os acontecimentos. Como se quisesse negar sua liberdade para se transformar num objeto. Possibilidade que acaba levando ao sentimento de culpa, que na realidade é o fracasso do próprio projeto – escolhe o não-ser na ilusão de evitar o sofrimento. Contudo, tal escolha faz com que ele perca o contato consigo mesmo. Não conseguindo perceber a si mesmo, não há como reconhecer suas reais possibilidades existenciais, que de uma certa maneira acaba gerando sofrimento.
            Se a liberdade parte da própria consciência, então, a autoconsciência se faz necessária para que a pessoa possa reconhecer seu ser-no-mundo, que a angústia não é uma doença ou fenômeno anormal, mas algo ontológico ao ser humano, ou seja, um modo de ser diante do nada. Nada que é expresso pela incerteza do resultado, do embate com o não-ser, medo de perder os outros e também medo de se perder no outro. Portanto, o reconhecimento da angústia como fazendo parte do seu ser faz com que ele aumente sua liberdade de escolha e, por conseguinte, aceite correr o risco de ser.
            A filosofia existencial tem como premissa que a vida é o risco. Correr o risco a todo o momento realizando escolhas ou tentando evitá-las. Estar cônscio que apenas ele é quem pode realizar seu projeto é o grande risco, uma vez que o reconhecimento da liberdade assusta. Como Erthal cita: “A liberdade é uma conquista do homem, mas que ao mesmo tempo o assusta. É livre para se criar e está livre para executar seu projeto. Desocultando-se, permite-se realizar a sua autocriação. Esse é o principal risco” (ERTHAL, p.50, 1999). O grande temor e tremor do ser humano é o reconhecimento dessa liberdade, que ele está sozinho e que mais ninguém pode arriscar por ele.
            A psicologia existencial que se utiliza da filosofia existencial como orientação na sua atuação, propõe uma ampliação da autoconsciência no sentido de aumentar o potencial de escolha; auxilia ao cliente no aspecto de descobrir-se e de autogerir-se; é ajudá-lo a aceitar os riscos de suas próprias escolhas responsáveis e aceitar a liberdade para realizar sua (re) construção para existir.  
            Para alcançar tal ampliação, se faz necessário passar por algumas etapas que procuraremos explicar como intuito de compreensão.
            Num primeiro momento, existe uma desorganização do conteúdo expresso pelo cliente. O problema é descrito, comumente existe uma atitude bastante crítica com relação à auto-imagem, não há nesse momento conscientização que ele faz parte do problema. Limita-se a descrever os problemas sem entrar em contato diretamente com eles. Uma atitude racional domina o sentimento bloqueando-o de encontrar sua verdade.
            Em seguida, existe uma maior exploração do problema. Este agora faz parte do cliente. Há um questionamento dos valores atuais e uma nova maneira emerge com o modo atual de existir. As contradições são reconhecidas e fazem com que o cliente busque uma forma mais consciente do eu para perceber melhor o seu comportamento.
            Uma organização começa a surgir do momento que o cliente modifica o foco para si mesmo. O que antes era desorganizado passa a ter uma organização do ponto de vista de significação pessoal. Claro que não é acabando com os problemas que o cliente atinge o crescimento, mas sabendo que eles existem e que tem capacidade resolvê-los à medida que vão aparecendo. Ele reconhece suas limitações, sem deixar de buscar um melhor aprimoramento. Razão e sentimento passam a ser integrados. O cliente agora consegue aceitar a si mesmo.
            Acreditamos assim que uma maior tomada de consciência por parte do cliente, faça com que ele reconheça suas próprias capacidades existenciais. Capacidades que são reconhecidas a partir de um contato maior consigo mesmo, que a angústia faz parte do seu ser e que precisa correr os riscos pelas escolhas efetuadas. À medida que ele adquire maior consciência do que está fazendo e como está fazendo, poderá ser mais responsável por sua experiência; o foco deixa de ser o externo, passando a dar maior valor a experiência pessoal como referência de suas decisões. Confiando mais em si mesmo, poderá arriscar-se. O eu agora é visto como processo e não mais como um objeto.

Referência Bibliográfica:

ERTHAL, Tereza Cristina. Terapia vivencial: uma abordagem existencial em psicoterapia – Petrópolis, RJ: Vozes, 1989.

terça-feira, 29 de maio de 2012


Método Fenomenológico

         Método desenvolvido por Edmund Husserl (1859-1938) foi criado na tentativa de superar a cisão entre as duas principais correntes da filosofia contemporânea – o racionalismo e o empirismo. O primeiro pode ser sintetizado na máxima racionalista do francês René Descartes: Cogito ergo sum ou “Penso, logo existo”. Sua visão racional do mundo coloca como única certeza o pensar e que não posso duvidar dessa atitude. O segundo expresso na proposta do empirista escocês David Hume. Ele enfatizava que só podemos adquirir o conhecimento a partir da experiência imediata através dos sentidos, ou seja, quando experimentamos algo ou situação pelos nossos sentidos é que de fato podemos conhecer.

            Husserl tentou solucionar tal impasse propondo que devemos “voltar às coisas mesmas”. Mas o que são “as coisas” para ele? São os fenômenos como aparecem à consciência; a experiência imediata que precede o pensamento ou a vivência que temos dos fenômenos. São eles que devem ser investigados pelos filósofos. Daí o nome dado por ele para essa atividade de fenomenologia.

            Desta feita, Husserl pretende resolver o dualismo entre essência e aparência quando propõe suas duas máximas: “Toda consciência é consciência de algo” e “O objeto é sempre objeto para a consciência”, expressam o princípio da intencionalidade do pensador. Consciência e objeto estão ligados diretamente nesse processo, uma vez que não existe consciência sem objeto para desvelá-lo, assim como o objeto não existe sem uma consciência para apreendê-lo. Portanto, a oposição idealismo e realismo parece solucionado, assim como relação entre ser e consciência superada. Como Erthal diz: “A consciência não é um lugar, tal como uma caixa que abriga conteúdos mentais, conforme a concepção wundtiana, mas uma espécie de movimento para fugir de si mesma, um escape para fora de si, para poder ter uma existência [...]” (ERTHAL, p.29, 1989). A consciência nesse aspecto perde a concepção de mero receptáculo onde armazenaria informações, passando a alcançar os objetos que para ela (consciência) aparecem como fenômenos.

 A descrição dos fenômenos como aparecem à consciência - método fenomenológico – revelam que cada fenômeno apresenta um núcleo significativo denominado de eidos ou essência. E para alcançarmos à essência básica se faz necessário diversas reduções do fenômeno, que Husserl denominou de epoché ou redução fenomenológica. Todos os condicionamentos aprendidos: histórico-sócio-cultural são colocados “entre parênteses”, a ênfase recai única e exclusivamente na vivência do sujeito, na maneira como ele se relaciona com o fenômeno. Só assim, chegaremos à essência do fenômeno.

E como o método fenomenológico é aplicado na terapia existencial? É usado para captar a pessoa como de fato ela é, sem idealizações. Este método procura compreender o indivíduo como um ser-no-mundo, único e particular. O método fenomenológico não se trata de um método ortodoxo de terapia, mas sim, uma maneira de compreender a realidade expressa pelo cliente, suas intenções no mundo. Para que isso efetivamente aconteça, é necessário que terapeuta e cliente estejam juntos, que possam estabelecer um encontro verdadeiro, uma vez que cada encontro-relação é único.

O cliente traz o fenômeno – problema. O terapeuta deve suspender seus valores e sentimentos pessoais para captar aqueles expressos pelo cliente, como se deixasse seu “eu” suspenso na relação para servir como um espelho que reflete às intenções do seu cliente. Como ele se sente e o que ele demonstra ao relatar sua questão. Todo e qualquer juízo externo à vivência é suprimido. Diversas reduções fenomenológicas são realizadas para alcançar esse intuito: redução teológica, redução psicológica, etc. A empatia, nesse caso, é que possibilita o verdadeiro encontro na qual o terapeuta se coloca no lugar do seu cliente para perceber seu mundo fenomênico. Já o cliente tem a possibilidade de se compreender por intermédio do terapeuta. A compreensão empática então é o pilar do método fenomenológico. 





Referências Bibliográficas:



ERTHAL, Tereza Cristina Saldanha. Terapia Vivencial: uma abordagem existencial em psicoterapia – Petrópolis, RJ: Vozes, 1989.



ERTHAL, Tereza Cristina Saldanha. Treinamento em psicoterapia vivencial; Campinas, SP: Livro Pleno, 2004.




sexta-feira, 27 de abril de 2012

Sugestões de leitura

MACIEL, Luiz Carlos. Sartre – Vida e Obra; São Paulo; Paz e Terra Ed., 1986.
Livro que faz parte da coleção “Vida e Obra” e que o autor proporciona ao leitor um contato abrangente à obra de Jean-Paul Sartre.

SARTRE, Jean-Paul. A Náusea; tradução de Rita Braga; Rio de Janeiro; Nova Fronteira Ed., 2000.
Romance que versa sobre a contingência do mundo. Antoine Roquetin, o protagonista, experimenta que está no mundo de maneira gratuita, por nada e sem justificativa. O contato com essa gratuidade provoca nele a náusea.

SARTRE, Jean-Paul. O imaginário; tradução de Duda Machado; São Paulo; Ática Ed., 1996.
Obra que propõe uma investigação acerca das imagens. Estas não seriam tratadas pelo filósofo como coisas, mas sim, como uma forma de consciência. Para elucidar tal investigação, utiliza a fenomenologia de Edmund Husserl e sua noção da intencionalidade.

SARTRE, Jean-Paul. Furacão sobre Cuba; Rio de Janeiro; Editora do Autor, 1986.
Trata-se do testemunho de Sartre acerca da revolução cubana. Uma coletânea de artigos escritos em especial para “France-Soir” e que foram reunidos em livro.

SARTRE, Jean- Paul. Saint Genet: ator e mártir; tradução de Lucy Magalhães; Petrópolis, RJ: Vozes Ed., 2002.
Estudo do filósofo sobre Jean Genet. Um homem desclassificado, sem perspectiva para seguir sua vida e que acaba escolhendo como saída à literatura. O projeto humano caracterizado pelo que Sartre denominou de psicanálise existencial.


SARTRE, Jean-Paul. O Diabo e o bom Deus; tradução de Maria Jacintha; São Paulo; Círculo do livro Ed., 1974.
Peça teatral que apresenta a aventura do personagem, Goetz, na sua tentativa infrutífera de realizar a ideia do mal absoluto, assim como também do bem absoluto, uma vez que ambos os projetos estão desvinculados da realidade concreta.

SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo; tradução de Vergílio Ferreira; São Paulo; Abril Cultural Ed., 1973.
Conferência que o filósofo explica o existencialismo como uma moral da ação. A vida humana não é uma essência pré-determinada, mas algo para ser vivido, construído. Portanto, somente depois de existir que o ser humano constrói sua essência.

SARTRE, Jean-Paul. A Idade da razão: os caminhos da liberdade 1; tradução de Sérgio Milliet; Rio de Janeiro; Nova Fronteira Ed., 1983.
Romance que faz parte da trilogia, Os caminhos da liberdade. Trata-se da questão da liberdade e da tentativa de negá-la. O personagem, Mathieu Delarue, é tomado pela angústia e sofrimento de tal tentativa.


SARTRE, Jean-Paul. Sursis: os caminhos da liberdade 2; tradução de Sérgio Milliet; São Paulo; Abril Cultural Ed., 1974.
Segundo volume de Os caminhos da liberdade. O filósofo procura mostrar a interdependência de todas as ações humanas, que todos os atos concretos acabam influenciando na liberdade de outrem.

SARTRE, Jean-Paul. Com a morte na alma: os caminhos da liberdade 3; tradução de Sérgio Milliet; Rio de Janeiro; Nova fronteira Ed., 1983.
Último volume de Os caminhos da liberdade. A liberdade só tem algum significado quando em ato, ou seja, pela capacidade do próprio ser humano em modificar alguma realidade.

SARTRE, Jean-Paul. O ser e o nada – Ensaio de ontologia fenomenológica; tradução de Paulo Perdigão; Petrópolis, RJ: Vozes Ed., 1997.
Obra mais famosa do filósofo. São extensas análises filosóficas que propõem uma teoria finalizada do ser, da qual o próprio Sartre denominou de psicanálise existencial - a liberdade como condenação humana.

STRATHERN, Paul. Sartre em 90 minutos; tradução de Marcus Penchel; Rio de Janeiro; Jorge Zahar Ed., 1999.
Coleção Filósofos em 90 minutos. O autor versa sobre a vida do pensador francês e suas principais ideias.







Boa leitura...















sábado, 7 de abril de 2012

Auto-imagem ou projeto original

            “Minha família me fez desse jeito, por isso que tenho esse comportamento” ou “não posso fazer nada, pois já nasci assim mesmo”. Quem já não ouviu essas frases um dia? Frases comumente ecoadas em nosso cotidiano e que parece colocar a existência humana numa eqüidade com qualquer objeto - como uma mesa, por exemplo. Ela, mesa, foi arquitetada por alguém e, posteriormente, talvez, fabricada por outra pessoa que a concretizou como mesa. Portanto, tal objeto não pode ser outra coisa, uma vez que foi construído para esse propósito. Além, é claro, que a própria mesa não pode individualizar-se, ou seja, transformar a si mesma.
            Será que a existência humana teria alguma similaridade com qualquer objeto finalizado, como no caso do citado exemplo? Somos então construídos e não podemos interferir nessa construção?  Pelo viés existencialista, que tem como premissa a afirmação de que “a existência precede à essência”, a existência não é algo pronto ou acabado, mas sim, que o ser humano é lançado no mundo, ou seja, ele primeiro deve nascer para então ter a possibilidade de construção da sua essência. Somente presente no mundo, que o ser humano pode estabelecer seu projeto. Antes disso, não há projeto, pois o mesmo só poderá revelar-se através dos atos do indivíduo; pelas suas próprias escolhas efetuadas. 
            Então as influências recebidas durante nossa existência não afetariam nosso modo de ser? Não necessariamente, pois vai depender da validade ou não que uma pessoa dará em tais forças que atuaram nele. Por exemplo, uma pessoa desde pequeno recebeu uma informação de que é incapaz, que não poderia fazer nada na vida, uma vez que sua incapacidade atribuída não lhe permitiria alcançar qualquer objetivo mínimo que fosse. Provavelmente, essa mesma pessoa terá uma imagem - construída pelo outro e não por ele mesmo – de incompetente. Contudo, do momento que ele reconhece sua existência como sendo de sua inteira responsabilidade, ou seja, cabe a ele mesmo (re) construir-se pelas próprias experiências e não por informações atribuídas, que ele reunirá condições de construir o seu próprio projeto e não de assumir um projeto que atribuíram a ele. Mas tal reconhecimento não é mudança e a pessoa pode escolher manter o projeto que escolheram para ela. Seria uma espécie de tentativa para evitar o risco da própria escolha, mas que na realidade acaba por afirmá-lo. Como podemos atestar nas palavras de Erthal: “Conscientizar do projeto não significa apenas alterá-lo; pode ser que isso o leve a mantê-lo. É uma escolha que em qualquer sentido leva ao risco” (ERTHAL, p. 57, 1989). A má-fé passa a ser uma saída. Uma saída para não assumir a liberdade e que mantém inalterada a imagem colocada pelo outro. A pessoa escolhe apenas ser um ser-para-o-outro, uma espécie de condenação. Como se a pessoa escolhesse ser uma mesa, sem possibilidades existenciais.
            Mas o que caracteriza o projeto original? São os valores que atribuímos às coisas, às situações, que definem nosso projeto original. Do momento que nossa consciência volta às coisas, passamos a refletir, a pensar sobre qual projeto queremos assumir. Daí Sartre dizer que somos uma liberdade e não que temos uma liberdade. A escolha passa, obrigatoriamente, pelo critério de avaliação da própria pessoa e não que ela teria que buscar tal critério por ainda não tê-lo. Quando a pessoa cria valores, ela afirma à própria liberdade que ela é. Ela escolhe a ela mesma.
            E quando a pessoa não escolhe a si mesma. Como ajudá-la?  Na psicologia existencial procuramos compreender como essa pessoa estabeleceu a imagem de si mesma. A proposta é verificarmos historicamente a vida da pessoa, não para descobrir as causas que levaram a certos comportamentos, mas para buscar um entendimento de como aquela pessoa valorizava suas possibilidades existenciais. Acreditamos que tal entendimento fomentará melhor compreensão das escolhas efetuadas. Escolhas que em alguns casos não representam à própria pessoa, mas duma imagem criada. Imagem criada por outrem ou mesmo idealizada pela própria pessoa que acaba impedindo de criar seu projeto original. Este, só poderá ser construído do momento que a pessoa aceita a si mesma, com suas dificuldades e limitações, mas sem deixar de abdicar na busca para atualização das possibilidades efetivas.
            A trajetória mais plausível é o reconhecimento da própria pessoa na forma como ela lida com seus problemas. Ter consciência das defesas utilizadas para enfrentar tais problemas e visar uma postura mais autêntica na sua expressão. Isso requer um engajamento da pessoa para viver uma relação mais amigável com ela mesma, com a própria vivencia. Não se trata de um processo simples e fácil, pois, à medida que a pessoa percebe algo novo em si mesmo, poderá rejeitar.  Vivenciando um aspecto de si mesmo, negado até momento, sem pressão e aceitando-se, é que ela poderá assumi-lo como fazendo parte de si mesmo. O auxílio de alguma pessoa que ele considera importante nesse processo – não especificamente o terapeuta – poderá facilitar sua livre expressão e a busca dos seus valores particularmente positivos, aqueles voltados para as suas reais necessidades. As cobranças direcionadas a si mesmo diminuem a partir da sua capacidade, uma vez que não precisa ser aceito totalmente. Conseguindo aceitar-se, constata que é aceito, ou não por completo; não caracteriza um conflito. A pessoa então passa a viver seu projeto original, reconhecendo seus limites, mas buscando realisticamente pelo aprimoramento existencial.


Referência Bibliográfica:

ERTHAL, Tereza Cristina. Terapia vivencial: uma abordagem existencial em psicoterapia – Petrópolis, RJ: Vozes, 1989.








sexta-feira, 9 de março de 2012

Má-Fé

            Quiçá você conheça algumas pessoas que parecem viver de maneira programada, como se as mesmas seguissem um roteiro definido para existir. São pessoas que escolhem abdicar da real posição de protagonistas que são para viverem nos bastidores. O medo do holofote da existência faz com que elas adotem uma atitude de fuga das próprias decisões. A saída que elas encontram, é de antecipar a derrota antes de vivenciá-la concretamente – atitude de má-fé.
            Sartre define o comportamento de má-fé como atitude da pessoa mentir para si mesma: “Por certo, para quem pratica a má-fé, trata-se de mascarar uma verdade desagradável ou apresentar como verdade um erro agradável. A má-fé tem na aparência, portanto, a estrutura da mentira” (SARTRE, p.94, 1997). A pessoa ilude a si mesma, esconde a verdade para não ter que lidar com ela. Daí o aspecto de aparência da má-fé com a mentira. Sendo que na mentira existe obrigatoriamente um interlocutor. No caso da má-fé existe uma unidade da consciência.
            Mas por que uma pessoa iria mentir para si mesma? Ela estaria cônscia de tal comportamento? A mentira seria uma tentativa de evitar o peso da escolha própria; não aceitar a liberdade que a própria pessoa é. Ela busca virar uma coisa que seja agradável ao olhar do outro. Sartre chamou tal atitude de espírito de seriedade – o ato é justificado pela retina do outro, ou seja, o comportamento da pessoa é definido pelo outro como algo pronto. Por exemplo, uma pessoa pode ter um comportamento submisso. Possivelmente, será reconhecido pelo outro apenas como uma pessoa submissa(grifo meu).
            Mas a própria pessoa é cônscia desse comportamento? Segundo o existencialismo, sim. Todo ato tem uma intencionalidade de acordo com Edmund Husserl, criador do método fenomenológico, e que Sartre utiliza na sua filosofia para compreensão da existência humana. Toda ação humana tem uma intenção. A controvérsia levantada por algumas pessoas é que nem tudo pode estar consciente duma pessoa. No entanto, o existencialismo sartreano propõe que toda ação é consciente. Não há escolha sem intenção.  Como Erthal diz: “[...] Mas se considerarmos que a escolha profunda seja precisamente o nosso ser – deve-se ser consciente, a fim de escolher; e deve-se escolher, a fim de ser consciente -, escolha e consciência são unos e, portanto, não pode haver inconsciência nisso” (ERTHAL, p.111, 1989).  Destarte, toda escolha é consciente da pessoa, senão a mesma não poderia escolher. Como escolher sem intenção? O que acontece muitas vezes é que a própria pessoa não tem compreensão da escolha efetuada. Compreensão difere de estar consciente, como o próprio Sartre elucida. Ele diz que toda ação é consciente, mas não tem uma compreensão. Para que haja compreensão, é necessária a reflexão, ou seja, voltar o pensamento para atitude produzida. Só assim, a pessoa poderá compreender sua intenção. É a passagem da consciência irreflexiva ou de primeiro grau para a consciência reflexiva ou de segundo grau. Assim, a pessoa sempre terá consciência em suas ações, mas, para compreendê-las, precisará utilizar a reflexão.
            A proposta da psicologia existencial é favorecer que o cliente reconheça a má-fé. Reconhecendo-a, ele poderá ter uma atitude em boa-fé, ou seja, poderá compreender sua atitude de má-fé e, buscar, pela ação, criar um novo projeto, qual seja, de aceitar que é uma liberdade e que pode escolher quem deseja ser. Não como algo finalizado, mas como um ser humano com diversas possibilidades existenciais. Possibilidades que somente a própria pessoa pode construir. Afinal, o projeto de construção e (re) construção é particular, pessoal. Nenhuma outra pessoa poderá fazer ou escolher o que é de nossa inteira responsabilidade. Portanto, temos a obrigação de escolher ficar no palco da vida e não nos bastidores.




Referências Bibliográficas:

SARTRE, Jean-Paul. O Ser e o Nada; tradução de Paulo Perdigão – Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.

ERTHAL, Tereza Cristina. Terapia vivencial: uma abordagem em psicoterapia – Petrópolis, RJ: Vozes, 1989.






sábado, 11 de fevereiro de 2012

Responsabilidade

            Provavelmente, você escolheu casar ou não; seguir um partido político, quem sabe; ter uma religião ou mesmo ser ateu; trabalhar numa empresa ou como profissional liberal. Todos são exemplos de possíveis escolhas que você pode ter feito ou ainda pode fazê-lo um dia na vida. Parece simples, não é mesmo, você escolhe entre isso ou aquilo e pronto. Como se você não tivesse nenhum compromisso com a escolha efetuada.
Na visão existencialista, todo ser humano é responsável pelas escolhas efetuadas. Não existe uma escolha descompromissada da própria pessoa. Como Sartre sabiamente disse: “[...] Mas se verdadeiramente a existência precede a essência, o homem é responsável por aquilo que é [...]” (SARTRE, p.12,1973). Sendo assim, você e cada ser humano em qualquer época são responsáveis por cada escolha, uma vez que cada ato de escolher passa pela subjetividade. Mas talvez você possa estar pensando, por exemplo: não escolhi perder meu emprego? A empresa que trabalhava findou, não foi minha responsabilidade. Sim, um ato externo a nós não tem como ser controlado, mas o que fazemos com tal circunstância, sim. A subjetividade faz parte da condição humana e não das coisas ou fatos. Daí o peso da responsabilidade pela escolha, da postura que a pessoa vai tomar em relação ao ocorrido. Ela pode enfrentar a situação mesmo sendo difícil ou fugir da mesma. Ambas são escolhas e ambas são de inteira responsabilidade da própria pessoa.
A questão sine qua non para o existencialismo é fazer com que a pessoa reconheça sua responsabilidade no mundo. Cada escolha que realizo na vida, sou EU quem decide. Faço parte dessa escolha, afinal de contas, minha escolha passou por um critério de avaliação pessoal, particular, ou seja, pela minha subjetividade.
Tal proposta existencialista pode soar para muitos como algo assustador. Imagine então, não importa o que aconteça comigo, EU é quem devo e tenho a obrigação de fazer alguma coisa? Estaria assim desprotegido no mundo? À mercê do que pode acontecer comigo? Você pode querer sumir diante de tais indagações, é uma escolha. Mas na realidade, nós, existencialistas, queremos de fato afirmar a subjetividade humana e sua capacidade para criação de saídas. Visto que, do momento que impelimos uma ação, estamos criando algo e não esperando que este apareça por algum merecimento divino ou um destino. Não estamos falando duma ação qualquer, mas sim, uma ação responsável, pois você está (re) criando a si mesmo. Somente você pode escolher qual construção quer fazer de si mesmo. Talvez, seja essa a visão considerada por alguns como assustadora na proposta existencialista, qual seja, de que você é o único que pode fazer alguma coisa. Muitos questionam tal capacidade humana diante de algumas circunstâncias vivenciadas. Claro que certos fatos podem ser duros de encarar, não estamos dizendo que devemos negar que tais situações podem nos acometer, pelo contrário, devemos afirmá-los para que possamos criar soluções. Como mencionamos anteriormente, não podemos interferir nos fatos vindouros, mas podemos, responsavelmente, interferir na forma como nos relacionamos diante do que ainda não é. Lembrando que para ser, algo ou situação, precisa estar relacionado com uma subjetividade. Como, por exemplo, num jogo de cartas: não sabemos as cartas que virão para nossas mãos até recebê-las. Só do momento que estamos com elas em mãos é que poderemos avaliá-las como sendo boas ou não. Mesmo assim, isso não impede de continuarmos jogando, pois a capacidade de quem está jogando na maioria das vezes prevalece mais do que a posse das cartas consideradas boas para vencer um jogo. Possuí-las, não quer dizer que o jogo já está ganho, mas saber como usá-las poderá determinar um possível caminho para vitória.
  Portanto, tal proposta existencialista como alguns equivocadamente pensam não é assustador ou pessimista, mas sim, extremamente positivo, uma vez que colocamos nas mãos de quem é de direito a responsabilidade pelas próprias escolhas. Escolhas estas que podem ser modificadas a qualquer momento. Afinal de contas, a subjetividade é uma abertura e não algo pré-determinado ou definido. Mas e quando a pessoa não quer aceitar isso? Que ela deve construir a si mesma e reconstruir-se a cada momento. Nomeamos tal atitude de má-fé - seria uma tentativa de a pessoa fugir da liberdade e responsabilidade que ela é - da qual versaremos no texto a seguir.


Referência Bibliográfica:

SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. Coleção os pensadores; 1ª edição; São Paulo; Abril Cultural; 1973.

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Site acerca da psicoterapia existencial de Tereza Erthal

Deixo aqui a sugestão do site da minha mestra e orientadora na arte da psicoterapia existencial, Tereza Erthal. Site: http://www.psicoterapiavivencial.com.br/
Uma boa leitura a todos...
Marlos Cordova.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Curso de formação em psicoterapia existencial

               Nova Turma !  Início no dia 1o de fevereiro ( quarta-feira) às 14hs. Sob supervisão de Tereza Erthal, mestre em Psicologia, professora adjunta e supervisora clínica do Departamento de Psicologia da PUC-RJ. Psicoterapeuta, desenvolveu a Psicoterapia Vivencial, abordagem existencial com base no filósofo francês Jean-Paul Sartre.
               Maiores informações, entrar em contato pelo e-mail: etcerthal@gmail.com

Artigo da psicoterapeuta Tereza Erthal (1a parte)

EXISTENCIALISMO: TEORIA E PRÁTICA.
Tereza Erthal[1]

De acordo com Bornheim(em Erthal,1992), o homem atual está andando na corda bamba que se estende entre a segurança do humanismo triunfante, em busca de um eu autônomo,e, de outro extremo, os discursos sobre a dissolução do eu, sobre a robotização e a fuga que empurra o homem a sentir-se deslumbrado em deixar-se ser objeto. Historicamente, a ponderação sobre o humano é a ultima a surgir; antes vieram os astros.  Mas cada cultura inventa um homem e uma concepção da realidade humana afastada da fixidez dos astros. Os que buscam compreender o homem, tentam desenvolver concepções para entender as  expressões de sua instabilidade, interpretando a realidade humana como um conjunto de possíveis. Na verdade, são muitas as perspectivas de analise de tal realidade humana, dentro e fora da Psicologia: existe a História, a Antropologia, a Sociologia, a Filosofia. O homem é interdisciplinar e não há como esgotar esse entendimento através de qualquer pretensão de uma única visão.  Porque tais contribuições são plurais, isso não significa anular as suas próprias construções. O Homem é diálogo e toda a reflexão racional que busque dizer aquilo que ele é talvez tenha que partir do diálogo.
Nos tempos atuais, psicoterapias que exaltam a capacidade do homem de olhar para si de uma forma mais destemida e mais responsável, dando a ele um domínio maior de ação, têm sido mais disputadas. As pessoas estão, cada vez mais, procurando tratamentos que as levem a se responsabilizar mais por elas mesmas, entender a trama em que se envolveram na vida, buscando soluções mais ligadas ao presente, livres de tantas abstrações. Um olhar presentificado é o que se procura mais fortemente hoje, na tentativa de, mais do que resolver problemas diários, compreender e assumir as rédeas de sua vida.  Existencialmente falando, o individuo deve se responsabilizar por si e pelos outros, e deve ser levado a assumir a completude de sua liberdade.  “Terapia é pedagogia: cura e educa e nesse processo existe necessariamente a presença do outro.” ( Bornheim,em Erthal,1992)
  A Terapia  Existencial procura obter respostas especificas a perguntas especificas: Como o individuo escolheu viver a vida que vive? Como este sujeito experimentou a sua situação, de maneira única, propriamente a sua e de mais ninguém? As respostas dos deterministas se baseiam nas estruturas genéricas, mas isso não leva à compreensão de um exemplo individual. Não se pode reduzir uma pessoa a um único conceito explicativo genérico. Cada pessoa realmente tem uma forma própria de viver a situação escolhida. Não se trata de fazer o individuo tomar consciência de si, pois ele é um ser auto-consciente sempre nesta filosofia; trata-se sim de fazê-lo tomar conhecimento de si ( nem sempre a consciência é cognoscente). É a descoberta do Projeto Original: o que determinado individuo fez de si mesmo.
Cada escolha representa a minha decisão sobre a espécie de homem que eu sou, a vida que levo, o mundo em que vivo. Tais escolhas não são episódicas, mas, ao contrário, integram-se às demais em uma totalização em curso. Em um ato, por mais simples que seja, representa a pessoa inteira, expressa toda a realidade humana. Cada gesto representa o que somos inteiramente. Não vemos o individuo como uma coleção de traços (temperamento, desejo, emoção...), mas como uma unidade sintética. Dessa forma, o individuo não possui potências ocultas, revelando um aspecto de si de cada vez, enquanto as demais repousam. A realidade humana se anuncia pelos fins perseguidos (projeto). Não é o passado que determina quem somos, mas o futuro. Isso não quer dizer que a história não faça a sua contribuição, mas o peso é diferente do que em outras abordagens.  Ao homem cabe a plena consciência de sua livre escolha, consciência de sua responsabilidade e jamais ser visto como resultante de leis gerais. A sociedade humana é uma “anti-phisis”: ela não sofre passivamente a presença da Natureza,ela a retoma em mãos. Esta retomada de posse não é uma operação interior e subjetiva; efetua-se objetivamente através da práxis.
A Filosofia tinha posto o conhecimento como um fim e a razão como meio, construindo assim sistemas para chegar à essência das coisas. Isso levou à perda de contato com a existência mesma.   “a busca da essência não é se não um artifício dos homens que tratam de fugir da realidade, esquematizando-a; o pensamento não tem validade se não leva em conta quem o pensa”(Kierkegaard,1941)
O Existencialismo se propõe ao enfrentamento com o individual, irreptivel de cada ser, com sua existência. A famosa frase “A existência precede à essência, bem formulada por Sartre, expressa que o homem se faz a si mesmo. Sem duvida, Kierkegaard foi o pai desta idéia, mas sua obra pareceu perder-se, inicialmente; a ressonância do seu pensamento só apareceu após a primeira guerra. Heidegger ouviu o chamado e, de posse dos ensinamentos de Husserl sobre fenomenologia, construiu o existencialismo alemão. Mas ele também não teve seguidores imediatos. Após a segunda guerra, outro pensador influenciado por Husserl, segue os passos de Heidegger e traz uma nova contribuição: Jean-Paul Sartre. O Existencialismo não constitui  uma escola ,mas uma tendência a filosofar que se apresenta em diferentes lugares, através de diferentes homens: na Espanha, Unamuno e Ortega e Gasset; na Alemanha, Karl Jaspers; na França, Albert Camus e Gabriel Marcel; Buber e Berdiaeff, assim como outros, também foram deixando suas marcas.
Apresentado este panorama geral sobre a filosofia existencial, estamos prontos para examinar alguns de seus conceitos e método:
1.      Noção de Existência: núcleo básico do ser humano,o que realmente fica se lhe retiramos todos os contingentes. É o que fica como ultimo núcleo indefinível quando se tem prescindido de tudo que pode enumerar-se ou qualificar-se, uma vez que a existência cria tudo isso à medida do seu desenvolvimento.
2.      Liberdade: o Existencialismo parte da premissa de que os seres humanos não podem fugir à sua liberdade e que esta liberdade não é feita ao acaso, mas como uma escolha responsável. Por ela o homem escolhe o que quer ser e, assim, sua essência. O homem é o que se projeta ser e não existe antes deste projeto. Sartre denomina Projeto Original à escolha que a pessoa faz de si. “Liberdade é existência e nela a existência precede a essência” (Sartre,1943,p.433). O individuo se faz na medida em que  é feito pela situação e pelos acontecimentos. Ao mesmo tempo em que se define, é definido por outro e nessa mescla de passividade e atividade, precisa reinventar-se sempre.
3.      Consciência e transcendência: não sendo uma entidade, a existência  se constitui como uma relação constante consigo mesmo e com o mundo. Esta relação se caracteriza por sua transcendência. No latim, existire significa fora de, o que significa que existir é transcender-se. O existir humano é continua criação, um poder ser. O homem não está pronto,  precisa construir-se e este processo não é determinado por nada além dele mesmo. A consciência é definida como um vazio que se desliza para o objeto a que intencionalmente se dirige, na tentativa de se preencher. É uma visão relacional tendo em vista que a consciência não existe sem objeto, da mesma forma que o objeto não pode existir sem uma consciência (princípio da Intencionalidade de Husserl). A consciência é, então, mais um ato de captação do objeto nas formas de percepção, imaginação, emoção, etc. A amplitude desta captação indica que a consciência é sempre consciência do mundo. “O ego não está formalmente nem materialmente na consciência. Está no mundo- é um ser-do-mundo, como o ego do outro... É a consciência que torna possível a unidade e personalidade do meu eu. .. A existência da consciência é um absoluto porque a consciência é a consciência de si mesma... O objeto está frente à ela com sua opacidade característica, mas ela, ela é pura e simplesmente consciente de ser consciente desse objeto, tal a lei de sua existência.”( Sartre, 1936,p.22) Existe então a consciência irreflexiva,de primeiro grau,que é uma consciência  vaga, não posicional de si; e a consciência reflexiva, ou de segundo grau, que é a consciência de se ter consciência de algo.
4.      O ser-no-mundo: o homem não existe só, nem em relação exclusiva com sua corporeidade. Ele é um ser-no-mundo que cria o mundo, mas, ao mesmo tempo, é criado por ele. O mundo e o homem são, na verdade, um só; não poderiam existir à parte. O ser só existe na medida em que tem um mundo e vai criando este mundo na medida em que é consciente dele. O mundo é um conjunto de relações com os demais e com as coisas que se vão tecendo na vida de cada ser à medida que ele vai  desenvolvendo na existência sua concepção de mundo e de si mesmo: seu projeto de ser.
5.      A angustia e o nada: é um fato ontológico, uma característica do existente como tal. A angustia de liberdade conduz o individuo a procurar-se nas coisas, o que é uma maneira de fugir de si mesmo. Longe de ser considerado um sintoma patológico, trata-se de uma valiosa experiência já que, ao aparecer, nos faz conscientes de nossa existência e nos obriga a vivê-la como tal. É o medo de nada, já que diferente do medo, não tem um objeto especifico. Surge quando o nada irrompe e comove o nosso ser. O nada é o que determina a existência das coisas. Sartre nos diz: “O que conta em um recipiente é o seu vazio interno.” É o que não existe que determina a construção do que existirá.
6.      Culpa: também ontológica, aparece quando o individuo falha na realização de suas possibilidades, quando renuncia a sua liberdade e se aceita objeto.
7.      Método fenomenológico: método proposto por Husserl que se indignava com a utilização do método das ciências naturais aplicados a tudo, especialmente à Psicologia. Por meio da reflexão, podemos nos isolar do exterior e dirigir nossa atenção à nossa consciência. O foco não é o objeto externo, mas a vivência que temos dele, o ato mesmo pelo qual o percebemos e o conhecemos. Isso livra a percepção das limitações de perspectiva. O conhecimento é direto, intuitivo, sem necessidade de qualquer significação, já que o sujeito e o objeto são um só e o conhecimento se fixa no ato de conhecer. Mas para isso é necessário colocar entre parênteses tudo o que possa vir a interferir neste processo de captação; todo o nosso próprio estado psicológico. Chamou este processo de redução fenomenológica que extrai tudo o que é externo ao processo de vivência. Assim, conhecer absolutamente algo é ser capaz de captá-lo em todos os seus aspectos e características. O conhecimento comum capta apenas parcialmente, enviesadamente, enquanto que a forma proposta por Husserl  capta o próprio ato captador: a consciência do objeto. O que se investiga e quem investiga, sujeito e objeto são um só, pertencendo à mesma corrente de consciência e, portanto, podemos chegar a conhecer absolutamente. Se podemos chegar a conhecer absolutamente o ato de conhecer, podemos chegar ao conhecimento absoluto do objeto. Como método terapêutico, é uma forma de captação da realidade do cliente, tal como é vivida por ele, através do seu olhar. Na verdade, esse é o maior objetivo da terapia: a compreensão do mundo de cada sujeito, tal como ele o vivencia. Ajusta-se, pois, como um método que estuda o individuo como ser-no-mundo, como existente, e a captação do sentido do seu projeto de ser.



[1] Mestre em Psicologia, professora adjunta e supervisora clinica do Departamento de Psicologia da PUC-RJ. Psicoterapeuta, desenvolveu a Psicoterapia Vivencial, abordagem existencial sartriana ; autora de vários artigos e livros publicados dentro e fora do pais.