terça-feira, 11 de setembro de 2012


Consciência e transcendência do ego


            O ser humano é ontologicamente um ser de relação. Relação consigo mesmo ou com mundo no qual ele vive. Esta relação tem como característica a transcendência, uma vez que a existência não está pronta. Ele, ser humano, precisa a cada momento construir-se, e nesta construção somente ele pode fazê-lo.
            A consciência é proposta como um vazio que segue em direção ao seu objeto de maneira intencional, com o intuito de preenchimento. Tal atitude estabelece à relação primordial da consciência com o mundo. Visto que, não há consciência sem um mundo para ser intencionado, assim como também o mundo só pode ser desvelado por uma consciência – princípio da intencionalidade de Husserl. Portanto, a consciência é um ato de captação do objeto que pode acontecer por: percepção, imaginação, emoção, etc. O que configura a consciência como consciência do mundo. Sartre, citado por Erthal comenta a respeito: “O ego não está formalmente nem materialmente na consciência. Está no mundo – é um ser-do-mundo, como o Ego do outro. [...] É a consciência que torna possível a unidade e personalidade do meu eu. [...] A existência da consciência é um absoluto, porque a consciência é consciência de si mesma. [...] O objeto está frente a ela com sua opacidade característica, mas ela, ela é pura e simplesmente consciente de ser consciente desse objeto, tal a lei de sua existência. Mas esta consciência de consciência não é posicional, isto é, que a consciência não é ela mesma sem objeto. Seu objeto está por natureza fora dela. Não se conhece a si mesmo senão como interioridade absoluta – é a consciência irreflexiva. Não tem lugar para um eu nessa consciência” (ERTHAL, p.36, 1989). Temos então a consciência irreflexiva, consciência de primeiro grau, que se esgota na captação do objeto e a consciência reflexiva ou consciência de segundo grau, que é a consciência de ser consciente de algo.
            A consciência irreflexiva é perceptiva, pois a consciência visa um objeto ou uma ação, excluindo-se a si mesmo. Ela e o objeto de que é consciência tornam-se uma unidade, isto é, existe uma identificação com o objeto sem que ela se perca como objeto. Tal identificação não necessita do conteúdo psíquico do eu, uma vez que o psíquico somente pode ser captado por uma ação reflexiva.
            A consciência de segundo grau ou reflexiva é a consciência de ser consciente de algo. O Eu, neste caso, é consciente do seu objeto de consciência. Daí chamá-la de consciência reflexiva, pois ela reúne condições para avaliar, emitir julgamento sobre alguma atuação. Como podemos atestar nas palavras de Sartre: “[...] no ato de reflexão emito juízos sobre a consciência refletida, envergonho-me ou orgulho-me dela, aceito-a ou a recuso, etc. A consciência imediata de perceber não me permite julgar, querer, envergonhar-me. Ela não conhece minha percepção, não a posiciona: tudo que há de intenção na minha consciência atual acha-se voltado para fora, para o mundo” (SARTRE, p.24, 2001)
            É importante esclarecermos que o ato irreflexivo tem supremacia em relação ao reflexivo. Toda consciência primeiramente é consciência irreflexiva – a consciência sempre existirá mesmo que não haja reflexão; a consciência irreflexiva é independente dum ato reflexivo. O Eu apenas aparece relacionado a um objeto de uma intenção irreflexiva, bem como de um ato reflexivo.
            A terapia existencial tem como proposta a ampliação da autoconsciência para aumentar a possibilidade de escolha. Quanto mais o indivíduo tiver consciência de ser consciente da própria existência, ele passa a se responsabilizar mais por suas escolhas; assume a liberdade que decerto ele é; reconhece que a existência é um contínuo movimento de construção e reconstrução; que ela, existência, tem um tempo indeterminado para ser vivenciado e que o indivíduo precisa correr os riscos de vivê-la. À medida que ele se torna mais autoconsciente poderá viver mais integrado consigo mesmo; percebe seus limites sem deixar de buscar um melhor aprimoramento dentro de possibilidades reais. O Eu, assim, deixa de ser um atributo ou objeto e passa a ser um processo, um agente transformador da própria existência. Esse é o princípio da transcendência do ego do qual nos referimos.


Referências bibliográficas:

ERTHAL, Tereza Cristina Saldanha. Terapia vivencial: uma abordagem existencial em psicoterapia – Petrópolis, RJ: Vozes, 1989.

SARTRE, Jean-Paul. O ser e o nada – Ensaio de ontologia fenomenológica; tradução de Paulo Perdigão – Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.