sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Liberdade

          Certo dia, estamos em casa pensando na possibilidade de fazer uma caminhada que tanto queríamos realizar outrora. Hoje o dia está lindo, tudo parece favorecer nosso intuito. Entretanto, subitamente, o tempo muda. Nuvens negras se aproximam anunciando fortes chuvas. Podemos pensar: mais uma vez não vou fazer minha tão desejada caminhada, pois a chuva me impedirá. Resolvo ficar em casa contrariado por não conseguir realizar minha vontade.
            Noutra situação, podemos desejar iniciar um curso que há tanto tempo queríamos começar. É um curso importante, não teremos outra oportunidade de fazê-lo. Porém, tal curso é muito longe da nossa casa e só pode ser efetuado no próprio local. Pensamos então: a distância impedirá que façamos o curso, se ele fosse mais próximo com certeza conseguiríamos realizá-lo. Uma pena, pois esse curso seria muito importante, mas a distância não permite. Esperarei uma nova oportunidade, quem sabe um dia?
            Situações como citadas acima podem acontecer com todos nós seres humanos. Desejamos fazer alguma coisa, mas algo externo a nós parece impedir nossos planos; nossos desejos possuem limites. Nossa liberdade então é questionada: não podemos fazer tudo que desejamos? Sendo assim, ela, liberdade, não existe de fato. Será?
            Mas o que essas duas situações apresentam em comum é o suposto impedimento alheio à nossa vontade, ou seja, a chuva impedindo de fazer uma caminhada e a distância impedindo de realizarmos um curso tão sonhado. Todavia, se pensarmos pelo viés existencialista, tanto a chuva como a distância não possuem subjetividade, ou seja, elas não podem definir nossa escolha de atuação. Mas o que isso quer dizer? Que na realidade é o próprio ser humano quem define seus fins. Não é a chuva que impede, mas a própria pessoa quem escolheu não caminhar na chuva. Como também no caso da não realização do curso, não é a distância que pode impedir, mas a escolha que a pessoa faz de não ir, em virtude da distância. Não podemos determinar se vai chover ou não; não temos condições de eliminar, concretamente, às distâncias, mas determinamos nossa forma de atuação em ambos os casos.
            A psicologia existencial tendo como um dos seus arcabouços teóricos o filósofo Jean-Paul Sartre – existem também contribuições de outros filósofos - vem dizer que: “O homem está condenado à liberdade”. Condenado no sentido de que ele não pode escapar de efetuar escolhas; que a cada momento ele deve escolher quem deseja ser num momento posterior. A liberdade proposta pelo filósofo francês fala da autonomia que cada ser humano tem para escolher. A essência da liberdade, segundo Sartre, é a escolha que é inevitável para todo ser humano, ou seja, não há como escapar de nós mesmos, pois somos a nossa própria escolha.
            A liberdade pelo viés sartreano não é um convite ilusório de uma libertinagem, de que podemos fazer tudo ou qualquer coisa. Até por que, tudo e qualquer coisa não existem. Devemos defini-los. Sua proposta acerca da liberdade tem relação direta com a consciência humana e não com uma tentativa de controle de situações externas a nós, como nas situações mencionadas da chuva e da distância. É a própria consciência que determinará os fins. Se escolho não caminhar na chuva é porque não quero, pois poderia caminhar se assim quisesse. Da mesma maneira que não é a distância que impede que faça tal curso, pois também poderia fazê-lo porque assim escolho.
            Tal psicologia então reconhece na proposta de Sartre que todo ser humano é livre. Diferente em dizer que possui uma liberdade, pois a mesma não é um objeto para ser conquistado. Como ele mesmo dizia: “somos uma liberdade que escolhe, mas que muitas vezes não escolhemos ser livres”. Seria uma forma de não aceitarmos que somos livres para fazermos nossas próprias escolhas, não há álibis ou qualquer pessoa que escolha por nós mesmos. Muitas vezes, a pessoa tenta fingir para ela mesma que não tem condições para escolher, que o acaso ou o destino determinará sua existência – no existencialismo chamamos tal atitude de má-fé. Aspecto este que abordaremos posteriormente de maneira elucidativa – O que ocorre muitas vezes é que são pessoas que não querem correr o risco da própria escolha, pois talvez elas não queiram entrar em contato com a responsabilidade pela decisão tomada; desconhecem, possivelmente, que não escolher é também uma escolha.
            Nossa proposta é fazer com que nosso cliente reconheça que é uma liberdade e que ele deve exercê-la. Se ele escolhe atribuir ao externo suas condutas, devemos ajudá-lo nessa percepção, pois pode ser que não esteja cônscio do próprio comportamento. Talvez ele já tenha esse comportamento na vida como um velho conhecido, a mudança assim torna-se difícil, não impossível! Da mesma maneira que uma pessoa escolhe ou não caminhar na chuva ou mesmo fazer ou não um curso distante da sua casa, somente ela quem pode escolher seus fins, pois a liberdade existe a partir da subjetividade e não das condições externas apresentadas, sejam elas facilitadoras ou não. Portanto, não há como fugirmos de nós mesmos, da liberdade que de fato somos.