domingo, 19 de outubro de 2014

O tempo não escolhe

     Hoje gostaria de falar sobre o tempo. Tempo que nos carrega desde nosso nascimento mesmo que nem saibamos. Sua presença é a nossa própria existência. Tempo que ficou para trás, no passado. Onde transportamo-nos em lembranças que nos convidam a rir ou a chorar - é a nossa história de vida. Tempo que nem temos ainda, mas que pela nossa imaginação podemos criá-lo. É aquele tempo que vislumbramos aspirações e projetos. É o que ainda não é: o futuro. E temos o tempo que considero como o mais precioso e que de certa maneira escorre por entre nossos dedos, ou seja: o momento. Momento que sempre nos convida para fazermos algo. Momento onde sempre estamos, mas que na maioria das vezes desdenhamos, pois acreditamos que ainda teremos uma nova chance no porvir. A questão é: será que teremos? E é exatamente sobre este tempo que gostaria de falar.
    Você já se deu conta que nunca estamos onde de fato devemos estar? Não estou me referindo a um lugar específico, não é isso, mas sim a nossa presença no momento. E parece tão complicado fazermos isso, pois freneticamente voltamos ao passado numa tentativa de lembrar os “bons tempos”, situações agradáveis que vivenciamos ou pessoas interessantes que passaram pela nossa vida. Quiçá isso não nos preencha, e lá vamos nós então para o futuro. Projetamos possibilidades que podem ou não se concretizar, uma vez que o porvir tem essa peculiaridade, qual seja: não haver garantias. Se o passado é um mero registro histórico inalterável e o futuro é uma abertura, uma possibilidade, então não há nada atrás ou na frente, somente o momento. Nele que efetivamente podemos e devemos fazer alguma coisa, já que a nossa atitude concreta só pode ocorrer no momento. E convenhamos, não reunimos condições para mudar o que já aconteceu e tampouco podemos controlar o que pode acontecer no porvir. Logo, só temos o agora e nada mais.
    Mas se de fato vivemos a eternidade do momento, pra quê fugirmos dele? Interessante que este questionamento me fez lembrar um trecho do livro Assim falou Zaratustra, do filósofo alemão Nietzsche e que pode nos ajudar neste aspecto. Refere-se ao diálogo de Zaratustra com o anão. Para quem não sabe, o filósofo criou este personagem na sua proposta filosófica: uma espécie de sábio que deseja trazer mais conhecimento para humanidade. Bem, Zaratustra questiona o anão acerca do tempo, em particular ao momento. O diálogo se desenrola – mais ou menos nesses termos – com Zaratustra perguntando ao anão: você vê anão, este pórtico com a inscrição: momento? E ele continua: você acha que se formos para trás ou adiante, eles irão se contradizer? O anão diante da sua ignorância não consegue responder, pois ele não percebe o ciclo do tempo. Para ele, o tempo é linear: passado, presente e futuro seriam fixos. A provocação de Zaratustra é que o anão perceba que o único tempo que existe é o instante, o momento e que a nossa pretensão de voltarmos ao passado ou irmos ao futuro sempre nos colocará no lugar onde sempre estamos: aqui. Haja vista que quando lembramos o nosso passado, estamos lembrando no aqui e agora, e quando imaginamos o nosso futuro, imaginamos também no instante presente. A proposta nietzschiana é deveras interessante e parece não só colocar o anão numa ‘sinuca de bico’, mas a cada um de nós. E qual seria essa ‘sinuca’? Que o único tempo que temos está aqui, diante de nós, de graça e que por conta disso, devemos fazer alguma coisa nele. Devemos dar sentido à nossa vida, pois, a cada momento que deixamos de fazê-lo, estamos assassinando nossa existência. Estamos deixando de criar vida. Estamos perdendo literalmente o único tempo que temos. Sendo assim, pensemos a respeito para depois não reclamarmos que o nosso tempo já passou ou que não temos mais tempo para fazer alguma coisa. Pensemos a respeito, pois o tempo não faz nada; o tempo não escolhe. Nós quem escolhemos e sempre vamos continuar escolhendo. Afinal de contas, somos o nosso próprio tempo. Somos a eternidade do momento. Somos o que escolhemos ser. Um grande abraço...

P.S: Dedico este texto para uma mulher que sabe assumir o seu tempo acima de tudo. Refiro-me à Chames Salles Rolim, 97 anos, que no ano de 2014 concluiu a sua faculdade de Direito em Ipatinga, interior de Minas Gerais.