segunda-feira, 6 de agosto de 2012

O sonho na visão existencial

            Os sonhos sempre despertaram grande interesse humano. Por que sonhamos? E qual seria sua função? São perguntas que suscitaram estudos de psicólogos, psicanalistas e também dos psicofisiólogos. Freud, o pai da psicanálise, por exemplo, diz que o sonho é a porta de entrada para o inconsciente. Na área da fisiologia, pesquisas revelaram que todos sonham, porém não são todos que conseguem se recordar dos mesmos; que os adultos sonham em média de 5 a 7 séries oníricas, ou seja, a cada 90 minutos um sonho; pessoas idosas não sonham tanto e pessoas que não conseguem se lembrar de seus sonhos são pessoas mais controladas, defensivas frente às situações consideradas por elas como problemáticas. Sonhar então parece ser primordial para o funcionamento do nosso organismo.
            E qual é a importância do sonho na abordagem existencial? Diferentemente da proposta freudiana que considera o sonho como possibilidade para desvelar forças inconscientes que dominam a pessoa, o existencialismo vê como um correlato do mundo desperto do próprio sonhador, uma vez que o sonho e a vida desperta fazem parte da mesma pessoa. Durante o sono as funções vitais permanecem e o sonho se torna uma espécie de continuidade dessa vida desperta num outro mundo, o mundo imaginário. Erthal comenta: “O estar-no-mundo caracteriza a relação da consciência que sonha, pois trata-se de um mundo imaginário no qual a consciência não pode perceber; não se sai da atitude imageante enquanto se sonha. Todo sonho é imagem; é um produto da consciência” (Erthal, p.127, 1989). O sonho desta feita pode trazer uma mensagem existencial para o próprio sonhador, o como ele está e sua posição no mundo.
            O sonho para o existencialismo é a trajetória para uma integração. Integração no sentido de que ele contém partes da nossa personalidade. Consideramos que existe um paralelo, um princípio isomórfico de identidade – conceito oriundo da matemática -, entre o sonho e o sonhador. Os diversos elementos oníricos podem fornecer uma gama de explicações ao que ocorre no aqui-e-agora em seu mundo desperto, é por intermédio da consciência reflexiva que a pessoa pode alcançar tais explicações. Ao contrário de interpretar para o cliente o significado, mantemos o sonho como revelado pelo sonhador, cabendo a ele perceber o seu significado particular, próprio. Se o sonho traz possibilidades existenciais da pessoa, cabe ao terapeuta incentivar o cliente a refletir numa relação entre o sonhar e a vida desperta.
            Quando favorecemos ao cliente relatar seu sonho, ele tem a possibilidade de encontrar seu significado – enquanto desperto – do que foi vivenciado no sonho. O foco principal é o esclarecimento do real ser-no-mundo do sonhador que não existe durante o sonho. Inicialmente ele relata o sonho para depois descrever a reação diante dos fenômenos que lhe aparecem. Qual o sentimento presente? Qual a mensagem existencial está presente nesse estado anímico? Vejamos um pequeno exemplo fictício do trabalho com o sonho no existencialismo. Nosso intuito com tal apresentação é para melhor esclarecer ao leitor como este trabalho pode ser desenvolvido. Lembrando que, para alcançarmos um melhor resultado, é fundamental a participação do cliente. Vamos ao exemplo: Estava me olhando. Não parecia comigo, mas sabia que era eu mesma. Tinha que escolher entre dois caminhos para seguir. Entretanto, estava com medo. Um medo que me paralisava, não conseguia escolher de forma alguma. Um relógio aparece mostrando o tempo que me resta para escolher, como se fosse meu fim. Acordo assustada.
            Primeiramente podemos perguntar ao cliente como ele se sente agora relatando seu sonho (Talvez haja uma relação do sentimento de medo no sonho com seu mundo desperto. Nesse caso, o medo será trabalho com o cliente). Em seguida incentivamos que ele vivencie seu sonho no presente, em partes: ele mesmo, os dois caminhos, o medo, o relógio e o tempo (A escolha cabe ao cliente para verificar com qual personagem inicialmente mais se identifica). A vivência do cliente em cada aspecto do sonho poderá revelar seu ser-no-mundo desperto, como se ele estivesse representando um papel, um personagem do próprio sonho para tirar daí sua mensagem existencial. Pela percepção e compreensão do sonho no aqui-e-agora é que o cliente poderá alcançar sua integração. Esse se configura o princípio isomórfico de identidade com o qual realizamos nosso trabalho.

Referência Bibliográfica:

ERTHAL, Tereza Cristina Saldanha. Terapia vivencial: uma abordagem existencial em psicoterapia – Petrópolis, RJ: Vozes, 1989.