quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Artigo da psicoterapeuta Tereza Erthal (1a parte)

EXISTENCIALISMO: TEORIA E PRÁTICA.
Tereza Erthal[1]

De acordo com Bornheim(em Erthal,1992), o homem atual está andando na corda bamba que se estende entre a segurança do humanismo triunfante, em busca de um eu autônomo,e, de outro extremo, os discursos sobre a dissolução do eu, sobre a robotização e a fuga que empurra o homem a sentir-se deslumbrado em deixar-se ser objeto. Historicamente, a ponderação sobre o humano é a ultima a surgir; antes vieram os astros.  Mas cada cultura inventa um homem e uma concepção da realidade humana afastada da fixidez dos astros. Os que buscam compreender o homem, tentam desenvolver concepções para entender as  expressões de sua instabilidade, interpretando a realidade humana como um conjunto de possíveis. Na verdade, são muitas as perspectivas de analise de tal realidade humana, dentro e fora da Psicologia: existe a História, a Antropologia, a Sociologia, a Filosofia. O homem é interdisciplinar e não há como esgotar esse entendimento através de qualquer pretensão de uma única visão.  Porque tais contribuições são plurais, isso não significa anular as suas próprias construções. O Homem é diálogo e toda a reflexão racional que busque dizer aquilo que ele é talvez tenha que partir do diálogo.
Nos tempos atuais, psicoterapias que exaltam a capacidade do homem de olhar para si de uma forma mais destemida e mais responsável, dando a ele um domínio maior de ação, têm sido mais disputadas. As pessoas estão, cada vez mais, procurando tratamentos que as levem a se responsabilizar mais por elas mesmas, entender a trama em que se envolveram na vida, buscando soluções mais ligadas ao presente, livres de tantas abstrações. Um olhar presentificado é o que se procura mais fortemente hoje, na tentativa de, mais do que resolver problemas diários, compreender e assumir as rédeas de sua vida.  Existencialmente falando, o individuo deve se responsabilizar por si e pelos outros, e deve ser levado a assumir a completude de sua liberdade.  “Terapia é pedagogia: cura e educa e nesse processo existe necessariamente a presença do outro.” ( Bornheim,em Erthal,1992)
  A Terapia  Existencial procura obter respostas especificas a perguntas especificas: Como o individuo escolheu viver a vida que vive? Como este sujeito experimentou a sua situação, de maneira única, propriamente a sua e de mais ninguém? As respostas dos deterministas se baseiam nas estruturas genéricas, mas isso não leva à compreensão de um exemplo individual. Não se pode reduzir uma pessoa a um único conceito explicativo genérico. Cada pessoa realmente tem uma forma própria de viver a situação escolhida. Não se trata de fazer o individuo tomar consciência de si, pois ele é um ser auto-consciente sempre nesta filosofia; trata-se sim de fazê-lo tomar conhecimento de si ( nem sempre a consciência é cognoscente). É a descoberta do Projeto Original: o que determinado individuo fez de si mesmo.
Cada escolha representa a minha decisão sobre a espécie de homem que eu sou, a vida que levo, o mundo em que vivo. Tais escolhas não são episódicas, mas, ao contrário, integram-se às demais em uma totalização em curso. Em um ato, por mais simples que seja, representa a pessoa inteira, expressa toda a realidade humana. Cada gesto representa o que somos inteiramente. Não vemos o individuo como uma coleção de traços (temperamento, desejo, emoção...), mas como uma unidade sintética. Dessa forma, o individuo não possui potências ocultas, revelando um aspecto de si de cada vez, enquanto as demais repousam. A realidade humana se anuncia pelos fins perseguidos (projeto). Não é o passado que determina quem somos, mas o futuro. Isso não quer dizer que a história não faça a sua contribuição, mas o peso é diferente do que em outras abordagens.  Ao homem cabe a plena consciência de sua livre escolha, consciência de sua responsabilidade e jamais ser visto como resultante de leis gerais. A sociedade humana é uma “anti-phisis”: ela não sofre passivamente a presença da Natureza,ela a retoma em mãos. Esta retomada de posse não é uma operação interior e subjetiva; efetua-se objetivamente através da práxis.
A Filosofia tinha posto o conhecimento como um fim e a razão como meio, construindo assim sistemas para chegar à essência das coisas. Isso levou à perda de contato com a existência mesma.   “a busca da essência não é se não um artifício dos homens que tratam de fugir da realidade, esquematizando-a; o pensamento não tem validade se não leva em conta quem o pensa”(Kierkegaard,1941)
O Existencialismo se propõe ao enfrentamento com o individual, irreptivel de cada ser, com sua existência. A famosa frase “A existência precede à essência, bem formulada por Sartre, expressa que o homem se faz a si mesmo. Sem duvida, Kierkegaard foi o pai desta idéia, mas sua obra pareceu perder-se, inicialmente; a ressonância do seu pensamento só apareceu após a primeira guerra. Heidegger ouviu o chamado e, de posse dos ensinamentos de Husserl sobre fenomenologia, construiu o existencialismo alemão. Mas ele também não teve seguidores imediatos. Após a segunda guerra, outro pensador influenciado por Husserl, segue os passos de Heidegger e traz uma nova contribuição: Jean-Paul Sartre. O Existencialismo não constitui  uma escola ,mas uma tendência a filosofar que se apresenta em diferentes lugares, através de diferentes homens: na Espanha, Unamuno e Ortega e Gasset; na Alemanha, Karl Jaspers; na França, Albert Camus e Gabriel Marcel; Buber e Berdiaeff, assim como outros, também foram deixando suas marcas.
Apresentado este panorama geral sobre a filosofia existencial, estamos prontos para examinar alguns de seus conceitos e método:
1.      Noção de Existência: núcleo básico do ser humano,o que realmente fica se lhe retiramos todos os contingentes. É o que fica como ultimo núcleo indefinível quando se tem prescindido de tudo que pode enumerar-se ou qualificar-se, uma vez que a existência cria tudo isso à medida do seu desenvolvimento.
2.      Liberdade: o Existencialismo parte da premissa de que os seres humanos não podem fugir à sua liberdade e que esta liberdade não é feita ao acaso, mas como uma escolha responsável. Por ela o homem escolhe o que quer ser e, assim, sua essência. O homem é o que se projeta ser e não existe antes deste projeto. Sartre denomina Projeto Original à escolha que a pessoa faz de si. “Liberdade é existência e nela a existência precede a essência” (Sartre,1943,p.433). O individuo se faz na medida em que  é feito pela situação e pelos acontecimentos. Ao mesmo tempo em que se define, é definido por outro e nessa mescla de passividade e atividade, precisa reinventar-se sempre.
3.      Consciência e transcendência: não sendo uma entidade, a existência  se constitui como uma relação constante consigo mesmo e com o mundo. Esta relação se caracteriza por sua transcendência. No latim, existire significa fora de, o que significa que existir é transcender-se. O existir humano é continua criação, um poder ser. O homem não está pronto,  precisa construir-se e este processo não é determinado por nada além dele mesmo. A consciência é definida como um vazio que se desliza para o objeto a que intencionalmente se dirige, na tentativa de se preencher. É uma visão relacional tendo em vista que a consciência não existe sem objeto, da mesma forma que o objeto não pode existir sem uma consciência (princípio da Intencionalidade de Husserl). A consciência é, então, mais um ato de captação do objeto nas formas de percepção, imaginação, emoção, etc. A amplitude desta captação indica que a consciência é sempre consciência do mundo. “O ego não está formalmente nem materialmente na consciência. Está no mundo- é um ser-do-mundo, como o ego do outro... É a consciência que torna possível a unidade e personalidade do meu eu. .. A existência da consciência é um absoluto porque a consciência é a consciência de si mesma... O objeto está frente à ela com sua opacidade característica, mas ela, ela é pura e simplesmente consciente de ser consciente desse objeto, tal a lei de sua existência.”( Sartre, 1936,p.22) Existe então a consciência irreflexiva,de primeiro grau,que é uma consciência  vaga, não posicional de si; e a consciência reflexiva, ou de segundo grau, que é a consciência de se ter consciência de algo.
4.      O ser-no-mundo: o homem não existe só, nem em relação exclusiva com sua corporeidade. Ele é um ser-no-mundo que cria o mundo, mas, ao mesmo tempo, é criado por ele. O mundo e o homem são, na verdade, um só; não poderiam existir à parte. O ser só existe na medida em que tem um mundo e vai criando este mundo na medida em que é consciente dele. O mundo é um conjunto de relações com os demais e com as coisas que se vão tecendo na vida de cada ser à medida que ele vai  desenvolvendo na existência sua concepção de mundo e de si mesmo: seu projeto de ser.
5.      A angustia e o nada: é um fato ontológico, uma característica do existente como tal. A angustia de liberdade conduz o individuo a procurar-se nas coisas, o que é uma maneira de fugir de si mesmo. Longe de ser considerado um sintoma patológico, trata-se de uma valiosa experiência já que, ao aparecer, nos faz conscientes de nossa existência e nos obriga a vivê-la como tal. É o medo de nada, já que diferente do medo, não tem um objeto especifico. Surge quando o nada irrompe e comove o nosso ser. O nada é o que determina a existência das coisas. Sartre nos diz: “O que conta em um recipiente é o seu vazio interno.” É o que não existe que determina a construção do que existirá.
6.      Culpa: também ontológica, aparece quando o individuo falha na realização de suas possibilidades, quando renuncia a sua liberdade e se aceita objeto.
7.      Método fenomenológico: método proposto por Husserl que se indignava com a utilização do método das ciências naturais aplicados a tudo, especialmente à Psicologia. Por meio da reflexão, podemos nos isolar do exterior e dirigir nossa atenção à nossa consciência. O foco não é o objeto externo, mas a vivência que temos dele, o ato mesmo pelo qual o percebemos e o conhecemos. Isso livra a percepção das limitações de perspectiva. O conhecimento é direto, intuitivo, sem necessidade de qualquer significação, já que o sujeito e o objeto são um só e o conhecimento se fixa no ato de conhecer. Mas para isso é necessário colocar entre parênteses tudo o que possa vir a interferir neste processo de captação; todo o nosso próprio estado psicológico. Chamou este processo de redução fenomenológica que extrai tudo o que é externo ao processo de vivência. Assim, conhecer absolutamente algo é ser capaz de captá-lo em todos os seus aspectos e características. O conhecimento comum capta apenas parcialmente, enviesadamente, enquanto que a forma proposta por Husserl  capta o próprio ato captador: a consciência do objeto. O que se investiga e quem investiga, sujeito e objeto são um só, pertencendo à mesma corrente de consciência e, portanto, podemos chegar a conhecer absolutamente. Se podemos chegar a conhecer absolutamente o ato de conhecer, podemos chegar ao conhecimento absoluto do objeto. Como método terapêutico, é uma forma de captação da realidade do cliente, tal como é vivida por ele, através do seu olhar. Na verdade, esse é o maior objetivo da terapia: a compreensão do mundo de cada sujeito, tal como ele o vivencia. Ajusta-se, pois, como um método que estuda o individuo como ser-no-mundo, como existente, e a captação do sentido do seu projeto de ser.



[1] Mestre em Psicologia, professora adjunta e supervisora clinica do Departamento de Psicologia da PUC-RJ. Psicoterapeuta, desenvolveu a Psicoterapia Vivencial, abordagem existencial sartriana ; autora de vários artigos e livros publicados dentro e fora do pais.

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