quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Culpa existencial

            Se “o ser humano está condenado à liberdade” como proclamado pelo filósofo francês Jean-Paul Sartre (1943), então ele está totalmente livre para criar e estabelecer o seu próprio projeto (ver texto: Auto-imagem ou projeto original). Este, construído através de escolhas que são oriundas da consciência reflexiva. Consciência esta que pode avaliar e criar um critério de valores, uma vez que cada pessoa escolhe o que é mais importante para si mesma. Entretanto, cada escolha realizada não tem qualquer garantia de sucesso, pois não há como saber o resultado. Este é o grande risco existencial – arriscar-se a cada instante; vivenciar a incerteza na busca por uma “certeza”. A angústia nesse momento torna-se eminente e a pessoa pode escolher não querer escolher (o que não deixa de ser uma escolha). Mas qual seria o intuito dessa pessoa adotando tal postura?
A pessoa quando escolhe não querer escolher, estaria abrindo mão da sua liberdade e, ao mesmo tempo, tentando evitar sentir a angústia. Afinal de contas, liberdade é ação – característica de toda escolha – e, também, abertura diante do nada, que é geradora de angústia. Sendo assim, a pessoa busca minimizar o contato com os fatos para evitar a responsabilidade da escolha e, por conseguinte, o sentimento de angústia. E Erthal comenta a respeito: “[...] A forma de reduzir a ansiedade resultante é diminuindo suas opções, ou seja, evitando significativamente sua interação com os acontecimentos. Na luta contra o que pode vir a destruir o seu ser, o indivíduo acaba deixando de ser completamente [...]” (ERTHAL, p.51, 1989). Tenta-se de todo modo fugir de si mesmo, como se a pessoa quisesse se transformar em um objeto. Porém, tal estratégia acaba conduzindo-a para um abissal sentimento de culpa e fracasso. Tem-se a falsa ideia de que a pessoa nasceu pronta e determinada, como se de fato ela fosse um objeto. Dessa forma, ela deixa de perceber o como tem usado sua liberdade – diminuição das opções, proteção do seu ser e fuga. Suas escolhas em vez de potencializar suas possibilidades existenciais, acabam limitando sua liberdade. Também podemos atestar tal tentativa de limitação quando a pessoa atribui ao destino, a Deus ou ao acaso os resultados não alcançados. Dir-se-á então que ela se tornou o próprio algoz da sua existência, ao mesmo tempo em que desconhece sua responsabilidade existencial.
            A culpa existencial decorre do arrependimento, da lamúria, das possibilidades negadas pela própria pessoa. Feijoo versa acerca: “A culpa existencial – A pre-sença mostra no seu discurso a culpa existencial de várias maneiras. Aparece, por exemplo, como lamentação das possibilidades que não foram escolhidas, [...]. A queixa fica em torno daquilo do qual outrora se abriu mão” (FEIJOO, p.121, 2000). Temos exemplos como: “Ah! Poderia ter feito isso...” ou “Se pudesse, eu voltava no tempo...”, são discursos em que a pessoa acaba ficando enraizada num passado, deixando, assim, de perceber o momento presente e muito menos vislumbrar a possibilidade dum futuro. Presa ao passado, não consegue perceber-se no aqui-e-agora, repetindo assim o mesmo comportamento vivido anteriormente.
            A perspectiva existencial visa à liberdade e à responsabilidade da pessoa. Ficar presa ao passado pode ser uma maneira de fugir do presente – negação da liberdade -, que pode ser uma maneira de evitar entrar em contato com a própria liberdade. Lembrando que a ação é uma condição sine qua non da liberdade. Liberdade que está atrelada à responsabilidade, pois apenas a própria pessoa quem pode realizar suas escolhas e mais ninguém. Daí não haver álibis ou destino em cada escolha efetuada. O que existe é apenas: “EU escolho...” e não o “Todo mundo escolhe... ou “o destino fez essa escolha por mim”. Por conta disso, o existencialismo é visto de maneira equivocada como uma postura filosófica negativa, uma vez que a pessoa é a única responsável pela sua existência. Isso remete à ideia de solidão e abandono, que na realidade é uma quimera, pois estamos com outrem e somos reconhecidos a partir da relação com eles. No entanto, cada escolha é pessoal, particular. Assim, nada mais otimista que filosofia existencial, pois ela coloca nas mãos de quem é de direito a responsabilidade pela construção da própria existência.

Referências Bibliográficas:

ERTHAL, Tereza Cristina Saldanha. Terapia vivencial: uma abordagem existencial em psicoterapia – Petrópolis, RJ: Vozes, 1989.
FEIJOO, Ana Maria Lopez Calvo de. A escuta e a fala em psicoterapia: uma proposta fenomenológico-existencial – São Paulo: Vetor, 2000.
SARTRE, Jean-Paul. O ser e o nada – Ensaio de ontologia fenomenológica; tradução de Paulo Perdigão. – Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.