sexta-feira, 9 de março de 2012

Má-Fé

            Quiçá você conheça algumas pessoas que parecem viver de maneira programada, como se as mesmas seguissem um roteiro definido para existir. São pessoas que escolhem abdicar da real posição de protagonistas que são para viverem nos bastidores. O medo do holofote da existência faz com que elas adotem uma atitude de fuga das próprias decisões. A saída que elas encontram, é de antecipar a derrota antes de vivenciá-la concretamente – atitude de má-fé.
            Sartre define o comportamento de má-fé como atitude da pessoa mentir para si mesma: “Por certo, para quem pratica a má-fé, trata-se de mascarar uma verdade desagradável ou apresentar como verdade um erro agradável. A má-fé tem na aparência, portanto, a estrutura da mentira” (SARTRE, p.94, 1997). A pessoa ilude a si mesma, esconde a verdade para não ter que lidar com ela. Daí o aspecto de aparência da má-fé com a mentira. Sendo que na mentira existe obrigatoriamente um interlocutor. No caso da má-fé existe uma unidade da consciência.
            Mas por que uma pessoa iria mentir para si mesma? Ela estaria cônscia de tal comportamento? A mentira seria uma tentativa de evitar o peso da escolha própria; não aceitar a liberdade que a própria pessoa é. Ela busca virar uma coisa que seja agradável ao olhar do outro. Sartre chamou tal atitude de espírito de seriedade – o ato é justificado pela retina do outro, ou seja, o comportamento da pessoa é definido pelo outro como algo pronto. Por exemplo, uma pessoa pode ter um comportamento submisso. Possivelmente, será reconhecido pelo outro apenas como uma pessoa submissa(grifo meu).
            Mas a própria pessoa é cônscia desse comportamento? Segundo o existencialismo, sim. Todo ato tem uma intencionalidade de acordo com Edmund Husserl, criador do método fenomenológico, e que Sartre utiliza na sua filosofia para compreensão da existência humana. Toda ação humana tem uma intenção. A controvérsia levantada por algumas pessoas é que nem tudo pode estar consciente duma pessoa. No entanto, o existencialismo sartreano propõe que toda ação é consciente. Não há escolha sem intenção.  Como Erthal diz: “[...] Mas se considerarmos que a escolha profunda seja precisamente o nosso ser – deve-se ser consciente, a fim de escolher; e deve-se escolher, a fim de ser consciente -, escolha e consciência são unos e, portanto, não pode haver inconsciência nisso” (ERTHAL, p.111, 1989).  Destarte, toda escolha é consciente da pessoa, senão a mesma não poderia escolher. Como escolher sem intenção? O que acontece muitas vezes é que a própria pessoa não tem compreensão da escolha efetuada. Compreensão difere de estar consciente, como o próprio Sartre elucida. Ele diz que toda ação é consciente, mas não tem uma compreensão. Para que haja compreensão, é necessária a reflexão, ou seja, voltar o pensamento para atitude produzida. Só assim, a pessoa poderá compreender sua intenção. É a passagem da consciência irreflexiva ou de primeiro grau para a consciência reflexiva ou de segundo grau. Assim, a pessoa sempre terá consciência em suas ações, mas, para compreendê-las, precisará utilizar a reflexão.
            A proposta da psicologia existencial é favorecer que o cliente reconheça a má-fé. Reconhecendo-a, ele poderá ter uma atitude em boa-fé, ou seja, poderá compreender sua atitude de má-fé e, buscar, pela ação, criar um novo projeto, qual seja, de aceitar que é uma liberdade e que pode escolher quem deseja ser. Não como algo finalizado, mas como um ser humano com diversas possibilidades existenciais. Possibilidades que somente a própria pessoa pode construir. Afinal, o projeto de construção e (re) construção é particular, pessoal. Nenhuma outra pessoa poderá fazer ou escolher o que é de nossa inteira responsabilidade. Portanto, temos a obrigação de escolher ficar no palco da vida e não nos bastidores.




Referências Bibliográficas:

SARTRE, Jean-Paul. O Ser e o Nada; tradução de Paulo Perdigão – Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.

ERTHAL, Tereza Cristina. Terapia vivencial: uma abordagem em psicoterapia – Petrópolis, RJ: Vozes, 1989.