Devemos
reconstruir nossa existência
Gostaria de falar sobre
reconstrução. Reconstrução que nos remete a ideia de que precisamos construir novamente,
pois o que antes servia para o nosso propósito, agora, deixou de ter sentido.
Aquele lugar que outrora era tão confortável tornou-se estranho, como se ele
não pertencesse mais ao nosso ser ou talvez seja o nosso ser que não queria
mais fazer parte dele. Mas afinal, que lugar é este? O lugar no qual me refiro,
não é concreto; não é feito de tijolos e muito menos possui portas ou janelas.
Refiro-me aqui ao Ethos, a morada que
cada um de nós habita: nossa própria existência. Existência que é expressa por
uma consciência e que necessita de um corpo para existir, haja vista que não
existe consciência sem um corpo para habitá-lo, assim como o corpo precisa de
uma consciência para existir no mundo. Diante disso, estamos condenados a
conviver com a nossa própria morada, com a nossa própria existência. Não
podemos escapar de nós mesmos: esta é a sina que carregamos.
Se não há a menor possibilidade de encontrarmos um atalho, um escape que
seja de nós mesmos, então parece que só nos resta aceitarmos nosso próprio
convívio, quem somos. Mas um momento! Quem somos? O que nos define? Filósofos da antiguidade já
haviam tentado buscar uma resposta para tal enigma, algo que revelasse nossa
unidade, nossa essência. E nessa busca dois filósofos se destacaram: Heráclito
e Parmênides. O primeiro propõe o ser humano como um vir-a-ser, ou seja: em
constante mudança. Uma vez que com o passar do tempo, a maneira dele perceber
as coisas e situações se modificaria. A cada nova visada ele estaria
transformando não só os fenômenos percebidos, mas, principalmente, a si próprio.
Já o segundo estabelece o ser humano como permanência: ele é e não se modifica,
pois ele nasce humano e morre humano. Sua essência já estaria definida de
antemão, não havendo assim o que modificar. Divergências filosóficas à parte,
ambos parecem ter certa razão: somos humanos e não vamos deixar de sê-lo, e nos
modificamos quando transformamos nossa maneira ver o mundo. Então, já que não
temos condições de abandonar nossa condição humana - a não ser por um projeto
de morte -, pensemos em nosso projeto em vida: a possibilidade de
transformação.
Transformação aqui proposta não como um destino ou como uma contingência
da vida, mas como atitude da nossa própria práxis,
da nossa própria consciência enquanto direcionada para nós mesmos: refletir como
somos e para onde escolhemos seguir. Não que com isso devemos dar de ombros
para a nossa história de vida, não é o caso. Ela até certo ponto foi necessária
para nossa construção. Digo até certo ponto porque não precisamos ficar
estacionados na mesma história, temos o dever de assumir o comando da nossa própria história, escolher como
queremos ser e para onde ir. E só conseguiremos tal façanha pelo nosso próprio
ato reflexivo, pela nossa consciência. É através dela que criamos condições
para alcançar uma melhor compreensão de nós mesmos. Compreensão que não deve
ser vista como sinônimo de mudança, longe disso. Até porque qualquer mudança realizada
sempre precederá de uma ação, pois não há mudança sem que não haja escolha
anteriormente. Para mudarmos, precisamos mais do que o desejo pela própria
mudança. Precisamos agir com coragem para conseguirmos nosso intuito. E quando
fazemos isso, transformamo-nos em heróis de nós mesmos, destruímos – mesmo que
temporariamente – o nosso vilão interno para vencermos a nós mesmos. E talvez
esta seja a verdadeira batalha que devemos travar: a reconstrução da nossa
própria existência. Uma reconstrução solitária, tácita, mas que acima de tudo é
necessária para o nosso desenvolvimento. Pensemos nisso e façamos a nossa
escolha...