Encontros e desencontros
A busca por um grande amor é algo desejado pela grande maioria das
pessoas – arrisco até dizer que todas. A procura pela propalada
‘cara metade’ ou daquela pessoa que ‘vai me completar’,
torna-se um imperativo para felicidade. Quem não quer amar e ser
correspondido, não é mesmo? Contudo, tal busca pode trazer certas
armadilhas, principalmente, quando se coloca o outro como ‘tábua
de salvação’. Como se este outro fosse aparecer e transformar à
vida daquela pessoa, como num conto de fadas ou nas novelas de
televisão: ‘ele (a) me fará feliz’, é o que muitos pensam.
Seria isso condenação ou amor? Qual alternativa você escolheria?
Não sei não, mas acho que está mais fadado para a condenação. E
por quê? Pelo simples motivo – se é que posso dizer assim – que
ninguém pode fazer pelo outro aquilo que a própria pessoa deve e
tem a obrigação de fazer por si mesma, ou seja: ela é quem deve
construir a sua própria felicidade. Mas então não existe relação
amorosa? As pessoas não precisam se relacionar? É isso mesmo?! Não,
não é isso que estou dizendo. Quando me refiro à relação
amorosa, falo daquela relação em que ambos sabem quem são. Eles
não precisam depender do outro ou permitir que este outro seja
dependente emocionalmente dele. Escolhem ficar juntos porque assim
desejam, pois não há o que buscar no outro e vice-versa. Basta
somente estar presente e... curtir.
A questão sine qua non no meu entender, é que algumas
pessoas (nem todas) desconhecem a si mesmas. Sentem pânico só em
pensar na possibilidade da solidão. Como se a solidão fosse uma
doença que deve ser erradicada. E convenhamos, não é bem assim. A
solidão é algo necessário, assim quando escolhemos estar com o
outro e não precisar ficar com este outro. Percebeu a diferença?
Disse escolhemos que é diferente de precisarmos. A escolha remete a
uma avaliação reflexiva e seletiva. ‘Desejo ficar com essa pessoa
por isso e por isso’. Em se tratando do precisar, a pessoa parece
ávida para não ficar sozinha. Não importa quem está ao seu lado,
mas sim que ela não pode ficar só, pois, do contrário, o convívio
ficaria insuportável. São aquelas pessoas que escolhem viver à
vida do outro para não entrar em contato com a própria vida.
Torna-se menos pesado relacionar-se com a vida do outro do que com a
própria, não parece?!
Quero dizer-lhe que há certa confusão quando se fala de solidão.
A maioria já pensa a solidão como um isolamento, como se a pessoa
fosse se refugiar no Himalaia para meditar, não é o caso. A solidão
a qual me refiro não se trata de isolamento ou fuga, mas sim da
pessoa estar conectada com ela mesma, com seus próprios pensamentos.
Sendo assim, cada um de nós pode vivenciar à própria solidão e
estar, ao mesmo tempo, ao lado de alguém. E nesse caso, a solidão
torna-se importante para quem escolhe vivenciá-la, uma vez que
entramos em contato conosco, com os nossos sentimentos e desejos.
Seria uma espécie de monólogo interior, um diálogo íntimo com a
própria alma, uma busca por uma melhor compreensão ao próprio
respeito e mais, um reconhecimento da própria individualidade.
Individualidade esta que pode se ‘dar ao luxo’ de encontrar com
outra individualidade, pois não há ameaças ou desejo de ‘adquirir’
algo do outro. Mas, infelizmente, muitos não percebem assim, não
conseguem perceber o outro como indivíduo que também ele é. Aliás,
é compreensível, pois como a pessoa não consegue se perceber,
também não poderá perceber o outro, não é verdade. Fica uma
mistura, um ‘balaio de gatos’, a pessoa não consegue distinguir
o que é dela e o que é do outro (ou seria quem é ela e quem é o
outro?). E tem diferença? Penso que não. E pior ainda, o outro
precisa salvá-la (o). Precisa deixá-la (o) feliz. Utopia! Pois cada
um tem o dever de buscar melhorar-se como pessoa. É claro que a
pessoa pode trocar com o outro, isso não quer dizer precisar do
outro. A troca só pode acontecer quando temos algo para falar de nós
mesmos e não quando esperamos que o outro diga qual caminho devemos
seguir. Lembremos que este outro não é guru ou mentor espiritual,
mas companheiro (a), parceiro (a), pelo menos deveria ser.
Portanto, queridos amigos, pensemos na solidão como construção da
nossa própria individualidade e não como isolamento. Pensemos
primeiramente em encontrar conosco para aí sim poder estar com o
outro. Como estar com o outro se não nos propomos a estar conosco?
Como desejar estar com o outro se não desejamos ficar conosco? Como
buscar primeiro pelo outro sem antes fazermos a busca por nós
mesmos? Parece que algumas pessoas estão querendo ‘colocar a
carroça na frente dos bois’. E elas ainda não escolhem serem os
próprios condutores, é o outro quem tem essa responsabilidade (Como
podem delegar o que é de sua própria responsabilidade?). Mas parece
que há uma estratégia por parte delas: se der errado não seria
culpa dela, mas sim do outro. Quanta irresponsabilidade, não é
mesmo? Pensemos então que devemos primeiro encontrar conosco para
depois encontrar com o outro, pois, do contrário, teremos grande
chance de transformar nosso encontro (com outro) em um grande
desencontro (conosco). Façamos alguma coisa... de preferência
primeiramente com nós mesmos. Abraços...