terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Encontros e desencontros

      A busca por um grande amor é algo desejado pela grande maioria das pessoas – arrisco até dizer que todas. A procura pela propalada ‘cara metade’ ou daquela pessoa que ‘vai me completar’, torna-se um imperativo para felicidade. Quem não quer amar e ser correspondido, não é mesmo? Contudo, tal busca pode trazer certas armadilhas, principalmente, quando se coloca o outro como ‘tábua de salvação’. Como se este outro fosse aparecer e transformar à vida daquela pessoa, como num conto de fadas ou nas novelas de televisão: ‘ele (a) me fará feliz’, é o que muitos pensam. Seria isso condenação ou amor? Qual alternativa você escolheria? Não sei não, mas acho que está mais fadado para a condenação. E por quê? Pelo simples motivo – se é que posso dizer assim – que ninguém pode fazer pelo outro aquilo que a própria pessoa deve e tem a obrigação de fazer por si mesma, ou seja: ela é quem deve construir a sua própria felicidade. Mas então não existe relação amorosa? As pessoas não precisam se relacionar? É isso mesmo?! Não, não é isso que estou dizendo. Quando me refiro à relação amorosa, falo daquela relação em que ambos sabem quem são. Eles não precisam depender do outro ou permitir que este outro seja dependente emocionalmente dele. Escolhem ficar juntos porque assim desejam, pois não há o que buscar no outro e vice-versa. Basta somente estar presente e... curtir.
     A questão sine qua non no meu entender, é que algumas pessoas (nem todas) desconhecem a si mesmas. Sentem pânico só em pensar na possibilidade da solidão. Como se a solidão fosse uma doença que deve ser erradicada. E convenhamos, não é bem assim. A solidão é algo necessário, assim quando escolhemos estar com o outro e não precisar ficar com este outro. Percebeu a diferença? Disse escolhemos que é diferente de precisarmos. A escolha remete a uma avaliação reflexiva e seletiva. ‘Desejo ficar com essa pessoa por isso e por isso’. Em se tratando do precisar, a pessoa parece ávida para não ficar sozinha. Não importa quem está ao seu lado, mas sim que ela não pode ficar só, pois, do contrário, o convívio ficaria insuportável. São aquelas pessoas que escolhem viver à vida do outro para não entrar em contato com a própria vida. Torna-se menos pesado relacionar-se com a vida do outro do que com a própria, não parece?!
       Quero dizer-lhe que há certa confusão quando se fala de solidão. A maioria já pensa a solidão como um isolamento, como se a pessoa fosse se refugiar no Himalaia para meditar, não é o caso. A solidão a qual me refiro não se trata de isolamento ou fuga, mas sim da pessoa estar conectada com ela mesma, com seus próprios pensamentos. Sendo assim, cada um de nós pode vivenciar à própria solidão e estar, ao mesmo tempo, ao lado de alguém. E nesse caso, a solidão torna-se importante para quem escolhe vivenciá-la, uma vez que entramos em contato conosco, com os nossos sentimentos e desejos. Seria uma espécie de monólogo interior, um diálogo íntimo com a própria alma, uma busca por uma melhor compreensão ao próprio respeito e mais, um reconhecimento da própria individualidade. Individualidade esta que pode se ‘dar ao luxo’ de encontrar com outra individualidade, pois não há ameaças ou desejo de ‘adquirir’ algo do outro. Mas, infelizmente, muitos não percebem assim, não conseguem perceber o outro como indivíduo que também ele é. Aliás, é compreensível, pois como a pessoa não consegue se perceber, também não poderá perceber o outro, não é verdade. Fica uma mistura, um ‘balaio de gatos’, a pessoa não consegue distinguir o que é dela e o que é do outro (ou seria quem é ela e quem é o outro?). E tem diferença? Penso que não. E pior ainda, o outro precisa salvá-la (o). Precisa deixá-la (o) feliz. Utopia! Pois cada um tem o dever de buscar melhorar-se como pessoa. É claro que a pessoa pode trocar com o outro, isso não quer dizer precisar do outro. A troca só pode acontecer quando temos algo para falar de nós mesmos e não quando esperamos que o outro diga qual caminho devemos seguir. Lembremos que este outro não é guru ou mentor espiritual, mas companheiro (a), parceiro (a), pelo menos deveria ser.
     Portanto, queridos amigos, pensemos na solidão como construção da nossa própria individualidade e não como isolamento. Pensemos primeiramente em encontrar conosco para aí sim poder estar com o outro. Como estar com o outro se não nos propomos a estar conosco? Como desejar estar com o outro se não desejamos ficar conosco? Como buscar primeiro pelo outro sem antes fazermos a busca por nós mesmos? Parece que algumas pessoas estão querendo ‘colocar a carroça na frente dos bois’. E elas ainda não escolhem serem os próprios condutores, é o outro quem tem essa responsabilidade (Como podem delegar o que é de sua própria responsabilidade?). Mas parece que há uma estratégia por parte delas: se der errado não seria culpa dela, mas sim do outro. Quanta irresponsabilidade, não é mesmo? Pensemos então que devemos primeiro encontrar conosco para depois encontrar com o outro, pois, do contrário, teremos grande chance de transformar nosso encontro (com outro) em um grande desencontro (conosco). Façamos alguma coisa... de preferência primeiramente com nós mesmos. Abraços...

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

  
Novas sugestões de leitura

BOFF, Leonardo. A águia e a galinha: uma metáfora da condição humana – Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. O autor confronta às duas dimensões da existência humana: a galinha, simbolizando a limitação, o enraizamento, o cotidiano e a águia, como simbolismo da abertura, do ilimitado, da superação. A questão é: como equilibrar esses dois pólos em nossa existência.

BOFF, Leonardo. O despertar da águia: o dia-bólico e o sim-bólico na construção da realidade – Petrópolis, RJ: Vozes, 1998. Trata-se do prolongamento das ideias do seu livro anterior A águia e a galinha: uma metáfora da condição humana. Apresenta como no mundo, no social e na vida pessoal há um jogo de forças: caos e cosmos, sim-bólico e dia-bólico, da dimensão-galinha e da dimensão águia. Para adentramos na nova fase da humanidade precisamos despertar a águia.

CORTELLA, Mario Sergio. Não nascemos prontos! : Provocações filosóficas. 12. Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011. O filósofo e teólogo, Mario Sergio Cortella, propõe através de pensatas sobre os riscos que corremos de cairmos numa monotonia existencial, numa mesmice afetiva e na ignorância intelectual.

ERTHAL, Tereza Cristina Saldanha. Trilogia da existência: teoria e prática da psicoterapia vivencial – 1. Ed. – Curitiba: Appris, 2013. Tem-se a reunião dos três livros de Tereza Erthal sobre ser, sua existência e o desenvolvimento para uma mudança em terapia. A autora versa acerca dos fundamentos básicos da Psicoterapia Vivencial (terapia apoiada em Sartre), seu método, técnicas e modelos de atendimento. No final, casos clínicos são apresentados para demonstrar como ocorre a dinâmica entre a teoria e a prática.

FEIJOO, Ana Maria Lopez Calvo de. A escuta e a fala em psicoterapia: uma proposta fenomenológico-existencial – São Paulo: Vetor, 2000. Trata-se da reflexão da autora e expressão do seu engajamento na difusão de pensadores como Edmund Husserl, Sören Kierkegaard e Martin Heidegger dentro do contexto da psicologia clínica e que foi inicialmente sua tese de doutorado defendida no curso de Pós-Graduação em Psicologia do Instituto de Psicologia da UFRJ.

HYCNER, Richard. De pessoa a pessoa: psicoterapia dialógica. – São Paulo: Summus, 1995. Este livro traz de maneira clara e sistemática muitos dos elementos básicos da psicoterapia dialógica: o “entre”, a “cura através do encontro” a “problemática da mutualidade”, a confirmação e a exclusão. Agrega também todos estes elementos nas relações EU-TU e EU-ISSO, de Martin Buber, bem como seu ensinamento hassídico de “reverenciar o cotidiano”. Incorpora, simultaneamente, a ênfase no aqui e agora e no desenvolvimento do self, elementos caros à Gestalt-terapia, ao Zen e à Psicologia Transpessoal.

NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. O nascimento da tragédia ou Helenismo e pessimismo; tradução, notas e posfácio J. Guinsburg. – São Paulo: Companhia das Letras, 1992. Este foi o primeiro livro do filósofo que foi publicado em 1872. Ele oferece não apenas só uma interpretação da tragédia, mas da própria cultura grega, do nexo entre a arte e conhecimento e da época moderna. A arte proposta pelo pensador contribui para adensar uma “tênue membrana de alegria e vida sobre o imenso escuro horror”.

YALOM, Irvin D. Quando Nietzsche Chorou. Tradução de Ivo Korytowski – Rio de Janeiro: Ediouro, 2005. Trata-se de uma ficção. O encontro dos personagens: o doutor Josef Breuer, o filósofo Friedrich Nietzsche e o jovem médico Sigmund Freud. O que ocorre, é que se estabelece entre eles uma relação na qual as funções de médico e paciente entram em conflito, pois Breuer consegue encontrar na filosofia de Nietzsche respostas para as suas próprias dores existenciais. Tal ficção deu origem ao filme de mesmo nome.