sábado, 7 de abril de 2012

Auto-imagem ou projeto original

            “Minha família me fez desse jeito, por isso que tenho esse comportamento” ou “não posso fazer nada, pois já nasci assim mesmo”. Quem já não ouviu essas frases um dia? Frases comumente ecoadas em nosso cotidiano e que parece colocar a existência humana numa eqüidade com qualquer objeto - como uma mesa, por exemplo. Ela, mesa, foi arquitetada por alguém e, posteriormente, talvez, fabricada por outra pessoa que a concretizou como mesa. Portanto, tal objeto não pode ser outra coisa, uma vez que foi construído para esse propósito. Além, é claro, que a própria mesa não pode individualizar-se, ou seja, transformar a si mesma.
            Será que a existência humana teria alguma similaridade com qualquer objeto finalizado, como no caso do citado exemplo? Somos então construídos e não podemos interferir nessa construção?  Pelo viés existencialista, que tem como premissa a afirmação de que “a existência precede à essência”, a existência não é algo pronto ou acabado, mas sim, que o ser humano é lançado no mundo, ou seja, ele primeiro deve nascer para então ter a possibilidade de construção da sua essência. Somente presente no mundo, que o ser humano pode estabelecer seu projeto. Antes disso, não há projeto, pois o mesmo só poderá revelar-se através dos atos do indivíduo; pelas suas próprias escolhas efetuadas. 
            Então as influências recebidas durante nossa existência não afetariam nosso modo de ser? Não necessariamente, pois vai depender da validade ou não que uma pessoa dará em tais forças que atuaram nele. Por exemplo, uma pessoa desde pequeno recebeu uma informação de que é incapaz, que não poderia fazer nada na vida, uma vez que sua incapacidade atribuída não lhe permitiria alcançar qualquer objetivo mínimo que fosse. Provavelmente, essa mesma pessoa terá uma imagem - construída pelo outro e não por ele mesmo – de incompetente. Contudo, do momento que ele reconhece sua existência como sendo de sua inteira responsabilidade, ou seja, cabe a ele mesmo (re) construir-se pelas próprias experiências e não por informações atribuídas, que ele reunirá condições de construir o seu próprio projeto e não de assumir um projeto que atribuíram a ele. Mas tal reconhecimento não é mudança e a pessoa pode escolher manter o projeto que escolheram para ela. Seria uma espécie de tentativa para evitar o risco da própria escolha, mas que na realidade acaba por afirmá-lo. Como podemos atestar nas palavras de Erthal: “Conscientizar do projeto não significa apenas alterá-lo; pode ser que isso o leve a mantê-lo. É uma escolha que em qualquer sentido leva ao risco” (ERTHAL, p. 57, 1989). A má-fé passa a ser uma saída. Uma saída para não assumir a liberdade e que mantém inalterada a imagem colocada pelo outro. A pessoa escolhe apenas ser um ser-para-o-outro, uma espécie de condenação. Como se a pessoa escolhesse ser uma mesa, sem possibilidades existenciais.
            Mas o que caracteriza o projeto original? São os valores que atribuímos às coisas, às situações, que definem nosso projeto original. Do momento que nossa consciência volta às coisas, passamos a refletir, a pensar sobre qual projeto queremos assumir. Daí Sartre dizer que somos uma liberdade e não que temos uma liberdade. A escolha passa, obrigatoriamente, pelo critério de avaliação da própria pessoa e não que ela teria que buscar tal critério por ainda não tê-lo. Quando a pessoa cria valores, ela afirma à própria liberdade que ela é. Ela escolhe a ela mesma.
            E quando a pessoa não escolhe a si mesma. Como ajudá-la?  Na psicologia existencial procuramos compreender como essa pessoa estabeleceu a imagem de si mesma. A proposta é verificarmos historicamente a vida da pessoa, não para descobrir as causas que levaram a certos comportamentos, mas para buscar um entendimento de como aquela pessoa valorizava suas possibilidades existenciais. Acreditamos que tal entendimento fomentará melhor compreensão das escolhas efetuadas. Escolhas que em alguns casos não representam à própria pessoa, mas duma imagem criada. Imagem criada por outrem ou mesmo idealizada pela própria pessoa que acaba impedindo de criar seu projeto original. Este, só poderá ser construído do momento que a pessoa aceita a si mesma, com suas dificuldades e limitações, mas sem deixar de abdicar na busca para atualização das possibilidades efetivas.
            A trajetória mais plausível é o reconhecimento da própria pessoa na forma como ela lida com seus problemas. Ter consciência das defesas utilizadas para enfrentar tais problemas e visar uma postura mais autêntica na sua expressão. Isso requer um engajamento da pessoa para viver uma relação mais amigável com ela mesma, com a própria vivencia. Não se trata de um processo simples e fácil, pois, à medida que a pessoa percebe algo novo em si mesmo, poderá rejeitar.  Vivenciando um aspecto de si mesmo, negado até momento, sem pressão e aceitando-se, é que ela poderá assumi-lo como fazendo parte de si mesmo. O auxílio de alguma pessoa que ele considera importante nesse processo – não especificamente o terapeuta – poderá facilitar sua livre expressão e a busca dos seus valores particularmente positivos, aqueles voltados para as suas reais necessidades. As cobranças direcionadas a si mesmo diminuem a partir da sua capacidade, uma vez que não precisa ser aceito totalmente. Conseguindo aceitar-se, constata que é aceito, ou não por completo; não caracteriza um conflito. A pessoa então passa a viver seu projeto original, reconhecendo seus limites, mas buscando realisticamente pelo aprimoramento existencial.


Referência Bibliográfica:

ERTHAL, Tereza Cristina. Terapia vivencial: uma abordagem existencial em psicoterapia – Petrópolis, RJ: Vozes, 1989.








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