sábado, 2 de julho de 2016

 Mais uma vez... e mais uma vez...

            Muitas pessoas expressam o desejo de mudança na vida. Vida que talvez esteja numa mesmice ou mesmo sem nenhum sentido. Daí a tal vontade de mudar alguma coisa, mas, em muitos casos, sem saber exatamente o porquê e o quê mudar. Mas, mesmo assim, elas carregam uma aparente convicção: a vida como está, não está valendo à pena. Algo precisa ser feito. Mas o ponto é: o quê?
            Por outro lado, esse ávido desejo pela mudança do ‘sei lá o quê’, carrega implicitamente o término do já conhecido e a entrada no desconhecido ou o novo. Eis aqui instalado o dilema existencial: abandonar o conhecido, o que de certa maneira está dominado (mesmo sendo este ruim) e que não precisamos despender nenhum suor, pois, este, está consumado, pronto ou ariscar todas as fichas numa nova senda? Esta desconhecida, sem controle e que nos convida para vivenciarmos o que ainda não sabemos se vai dar certo ou não. Difícil, não é? O que seria mais difícil então: abrir mão do conhecido ou entrar no desconhecido? Dar adeus ao velho ou dar às boas-vindas ao novo? Se partirmos do pressuposto que todo ser humano busca por certa adaptação, certo hábito e por que não dizer ritual na sua vida, então abrir mão do conhecido é muito mais complicado do que ariscar-se no desconhecido, até porque o desconhecido ele ainda não conhece, por isso do nome. Ele até pode imaginar uma situação hipotética, mas ele não tem nenhuma garantia se de fato vai acontecer mesmo ou não. E por conta disso, o novo ou desconhecido perderia sua função. Afinal de contas, ele está lá adiante, longe de onde estamos e qualquer coisa que possamos imaginar ou desejar relacionado a ele, é uma mera especulação.
            Bom, parece que chegamos numa posição: o conhecido é mais difícil de ser abandonado do que a entrada no desconhecido. Mas espere! Não devemos ir tão depressa assim, pois agora uma nova questão emerge: como podemos abandonar o que já conhecemos? Melhor dizendo: como podemos abandonar quem supostamente já “conhecemos”? Esta talvez seja a maior dificuldade: acreditamos que somos nossos hábitos ou o que já “conhecemos” de nós mesmos. A possibilidade de abrirmos mão de quem somos causa um grande incômodo e medo. Algumas pessoas podem até pensar: é melhor ficarmos na posição que já conhecemos, pois temos o controle de nós mesmos e assim não nos sentiríamos ameaçados. Contudo, só podemos efetuar uma mudança quando abandonamos àquilo que não serve mais, que não cabe mais em nós mesmos, ou seja, o que já conhecemos. Devemos deixá-lo partir, pois, do contrário, não abriremos a possibilidade do desconhecido. Se temos que fazê-lo, então por que é tão difícil? Porque estaríamos nos perdendo de nós mesmos. Estaríamos entrando em contato com o vazio que habita em nós. Estaríamos entrando em contato com o nosso próprio abandono, entenda isso como despedindo-nos dos nossos hábitos e comportamentos. Só tem um detalhe: não somos os nossos hábitos ou comportamentos. Somos os seus construtores, mas não precisamos nos colocar à mercê das nossas construções. Na realidade, somos um vir-a-ser em busca de uma construção que deve ser feita e vista como temporária ou atemporal. Daí não precisar chegar a algum lugar ou num porto seguro. Basta reconhecermos nossa condição de seres em constante construção, por se fazer. A (re) construção é o sentido do ser. Portanto, diga adeus para o velho, para o já “conhecido”, mesmo que com medo, mesmo que trêmulo, pois, qualquer mudança que queiras fazer, só poderás fazê-la com o consentimento da sua própria morte. Morte aqui representada não de forma literal, mas no sentido similar ao mito da Fênix: aquele pássaro que percebendo a iminência da sua própria morte se consome em chamas para então renascer das próprias cinzas. Que possamos – assim como a Fênix - consumir-nos nas nossas próprias construções para renascermos numa nova condição, numa nova roupagem. E que assim seja. Mais uma vez... e mais uma vez...




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