Mais
uma vez... e mais uma vez...
Muitas pessoas expressam o desejo de
mudança na vida. Vida que talvez esteja numa mesmice ou mesmo sem nenhum
sentido. Daí a tal vontade de mudar alguma coisa, mas, em muitos casos, sem
saber exatamente o porquê e o quê mudar. Mas, mesmo assim, elas carregam uma
aparente convicção: a vida como está, não está valendo à pena. Algo precisa ser
feito. Mas o ponto é: o quê?
Por outro lado, esse ávido desejo
pela mudança do ‘sei lá o quê’, carrega implicitamente o término do já
conhecido e a entrada no desconhecido ou o novo. Eis aqui instalado o dilema
existencial: abandonar o conhecido, o que de certa maneira está dominado (mesmo
sendo este ruim) e que não precisamos despender nenhum suor, pois, este, está
consumado, pronto ou ariscar todas as fichas numa nova senda? Esta
desconhecida, sem controle e que nos convida para vivenciarmos o que ainda não
sabemos se vai dar certo ou não. Difícil, não é? O que seria mais difícil então:
abrir mão do conhecido ou entrar no desconhecido? Dar adeus ao velho ou dar às
boas-vindas ao novo? Se partirmos do pressuposto que todo ser humano busca por
certa adaptação, certo hábito e por que não dizer ritual na sua vida, então
abrir mão do conhecido é muito mais complicado do que ariscar-se no desconhecido,
até porque o desconhecido ele ainda não conhece, por isso do nome. Ele até pode
imaginar uma situação hipotética, mas ele não tem nenhuma garantia se de fato
vai acontecer mesmo ou não. E por conta disso, o novo ou desconhecido perderia
sua função. Afinal de contas, ele está lá adiante, longe de onde estamos e
qualquer coisa que possamos imaginar ou desejar relacionado a ele, é uma mera
especulação.
Bom, parece que chegamos numa
posição: o conhecido é mais difícil de ser abandonado do que a entrada no
desconhecido. Mas espere! Não devemos ir tão depressa assim, pois agora uma
nova questão emerge: como podemos abandonar o que já conhecemos? Melhor dizendo:
como podemos abandonar quem supostamente já “conhecemos”? Esta talvez seja a
maior dificuldade: acreditamos que somos nossos hábitos ou o que já “conhecemos”
de nós mesmos. A possibilidade de abrirmos mão de quem somos causa um grande
incômodo e medo. Algumas pessoas podem até pensar: é melhor ficarmos na posição
que já conhecemos, pois temos o controle de nós mesmos e assim não nos
sentiríamos ameaçados. Contudo, só podemos efetuar uma mudança quando
abandonamos àquilo que não serve mais, que não cabe mais em nós mesmos, ou
seja, o que já conhecemos. Devemos deixá-lo partir, pois, do contrário, não
abriremos a possibilidade do desconhecido. Se temos que fazê-lo, então por que
é tão difícil? Porque estaríamos nos perdendo de nós mesmos. Estaríamos
entrando em contato com o vazio que habita em nós. Estaríamos entrando em
contato com o nosso próprio abandono, entenda isso como despedindo-nos dos
nossos hábitos e comportamentos. Só tem um detalhe: não somos os nossos hábitos
ou comportamentos. Somos os seus construtores, mas não precisamos nos colocar à
mercê das nossas construções. Na realidade, somos um vir-a-ser em busca de uma
construção que deve ser feita e vista como temporária ou atemporal. Daí não
precisar chegar a algum lugar ou num porto seguro. Basta reconhecermos nossa
condição de seres em constante construção, por se fazer. A (re) construção é o
sentido do ser. Portanto, diga adeus para o velho, para o já “conhecido”, mesmo
que com medo, mesmo que trêmulo, pois, qualquer mudança que queiras fazer, só
poderás fazê-la com o consentimento da sua própria morte. Morte aqui
representada não de forma literal, mas no sentido similar ao mito da Fênix:
aquele pássaro que percebendo a iminência da sua própria morte se consome em
chamas para então renascer das próprias cinzas. Que possamos – assim como a Fênix
- consumir-nos nas nossas próprias construções para renascermos numa nova
condição, numa nova roupagem. E que assim seja. Mais uma vez... e mais uma
vez...
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